O novo edital lançado pelo governo de São Paulo para substituir e ampliar o número de câmera corporal da polícia do Estado prevê que a gravação poderá ser iniciada e finalizada pelo próprio agente localmente. Hoje, o modelo funciona com gravação ininterrupta.
A secretaria da Segurança (SSP) diz que o edital levou em consideração estudos técnicos, e avaliações apontaram problemas relativos à autonomia da bateria dos equipamentos e à capacidade de armazenamento no cenário da gravação contínua.
O governo paulista anunciou nesta semana que pretende adquirir 12 mil novos equipamentos para substituir as 10,1 mil câmeras portáteis hoje em funcionamento. A aquisição representa ampliação do programa em mais de 18%. A iniciativa foi implementada em 2020 na gestão do então governador João Doria (PSDB) e teve resultados positivos na redução de indicadores de mortes cometidas por policiais em serviço; essa tendência de queda se inverteu durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acumula altas no último ano.
O edital da câmera corporal da PM
Na seção de requisitos, o edital do Estado prevê que a câmera operacional portátil (COP) deverá “permitir iniciar e finalizar a gravação de forma remota” e “permitir iniciar e finalizar a gravação de forma local”.
Em outro ponto, que reúne informações sobre o “tipo de vídeo”, o edital determina que “a COP irá gravar o vídeo intencional (ou vídeo de ocorrência)”, definido como um material captado a partir do acionamento “do policial militar, local ou remotamente”. Outro trecho aponta: “Encerrado o vídeo intencional, a COP deverá voltar automaticamente ao modo de espera”.
Armazenamento
O edital diz ainda que, “para armazenamento, seja em nuvem ou co-location, os arquivos devem estar disponíveis para visualização imediata (hot storage) durante 30 dias”, o que representa uma redução em relação aos 90 dias dos editais antigos.
A previsão representa na prática uma mudança em relação ao modelo atual, em que há uma gravação contínua. No chamado modo de rotina, a câmera grava em qualidade inferior e sem captação de áudio. No modo de gravação intencional, quando o policial aciona o dispositivo numa ocorrência, por exemplo, a gravação passa a acontecer em maior qualidade e com captação de áudio.
Hoje, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à Axon, empresa que fornece as COPs, o que reduz a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa.
Em nota, a SSP disse que o edital lançado na quarta “foi estruturado a partir de estudos técnicos e da análise da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países”. “As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema”, disse. “Deste modo, a pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior”, afirmou.
Ainda segundo a SSP, ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe, a central de operações conseguirá verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. Caso negativo, o dispositivo será acionado remotamente. “O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado. Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da PM por tempo indeterminado.”
‘Compliance’
Questionado se a possibilidade de os policiais desligarem a câmera compromete a gravação das ações, o governador Tarcísio afirmou ontem: “Pelo contrário, fortalece”. “Tem um compliance maior e você sai daquela situação de, no meio de uma operação, acabar a bateria, a câmera não filmar. Você vai passar a ter uma governança muito melhor, uma qualidade de imagem muito melhor e um controle muito melhor das operações que vão estar em campo.”
Titular da SSP, o secretário Guilherme Derrite também comentou o tema ontem. “Estamos aumentando as medidas de compliance, com possibilidade de visualização, por parte dos superiores imediatos, de casos que aconteceram logo após o momento da ocorrência. E um ponto bastante importante: expandindo de 12 horas, o período de gravação, para 14 horas, com aumento da capacidade da bateria.”
Para especialistas, brecha reduz eficácia do equipamento
Especialistas afirmaram que a brecha no uso das câmeras corporais pode ter um impacto negativo sobre a qualidade e a eficácia do registro policial.
“As avaliações de impacto indicam que, quando você não tem a gravação (das ocorrências) em tempo contínuo, o efeito sobre o uso da força diminui muito”, disse o pesquisador Daniel Edler, no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
“O que o governo está fazendo é descaracterizar completamente as câmeras. Ele está mantendo o argumento de que vai expandir o projeto, até porque as câmeras têm cerca de 90% de aprovação da sociedade, mas, na verdade, está transformando as câmeras em instrumentos operacionais e acabando com a ideia de ser um instrumento de fiscalização policial”, afirmou.
A pesquisadora Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), compartilha da opinião. “Por que reduzir a exigência (de câmeras ligadas ininterruptamente) se, em tese, eles estão contratando um serviço muito mais sofisticado e com mais tecnologia embutida?”
Entre as funções técnicas previstas no novo contrato está a integração com o programa Muralha Paulista, rede de segurança que interliga câmeras e radares em diferentes cidades para prevenir e controlar a criminalidade.
De acordo com o divulgado nesta quarta, 22, pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), as câmeras terão recursos de reconhecimento facial para identificação de foragidos, além de placas de veículos roubados ou furtados. O armazenamento de imagens e o sistema de baterias serão aprimorados – o novo edital exige que cada equipamento possua outro equivalente para recargas, processamento e uploads de arquivos.
As câmeras adquiridas por meio dos contratos anteriores serão devolvidas à empresa que ganhou a licitação na época. Hoje, elas estão distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino. “Porém, se necessário, a PM vai renovar o acordo para manter essas câmeras em funcionamento até o término da nova licitação, para que não haja a interrupção no uso das câmeras”, informou o órgão.
O primeiro contrato (3.125 câmeras) vence em 1.º de junho e o segundo contrato (7 mil câmeras) vence em 18 de julho. O órgão reafirmou ao Estadão que “não haverá interrupção no uso das câmeras pelos agentes”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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