WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O medo da variante delta, cepa mais contagiosa do coronavírus, reaqueceu a vacinação nos EUA, que havia perdido tração desde meados de abril e se tornado símbolo de alerta para autoridades de saúde no país e no mundo.
Dados do governo americano mostram que a média de pessoas vacinadas por dia no país aumentou quase 70% nas últimas semanas, com picos que não eram vistos desde o início de julho. Em estados com as mais altas taxas de novos casos de Covid-19, principalmente no Sul, o índice diário de recém-vacinados mais que dobrou – em algumas regiões, subiu 300%. Por fim, entre jovens de 12 a 17 anos, que representam uma das menores demandas por vacinas, o crescimento foi de 50%.
A avaliação da Casa Branca e de especialistas em doenças infecciosas é que os novos surtos, que atingem principalmente não-vacinados, podem ser o ímpeto que faltava para mudar a postura de pessoas hesitantes em receber o imunizante – cerca de um terço dos americanos diz que não quer tomar nenhuma dose. Analistas mais céticos, por sua vez, afirmam que ainda é prematuro dizer que o aumento no ritmo da vacinação é sustentado e suficiente para, sozinho, levar à chamada imunidade de rebanho, quando 75% da população está vacinada.
Professor de epidemiologia da Universidade de Michigan e conselheiro da FDA, a agência reguladora de medicamentos nos EUA, Arnold Monto concorda que o medo da delta tem levado mais pessoas a tomarem vacina, mas avalia que os novos surtos combinam outro fator que pode ajudar no caminho para a imunidade coletiva.
“Quando infectadas, as pessoas ficam imunes. Será uma questão de somar infectados aos vacinados, e ver redução da transmissão tanto por infecção como por vacinação.”
O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) noticiou média móvel de mais de 72 mil novos casos diários na semana passada, um aumento de 44% em relação à semana anterior. As mortes provocadas pela doença aumentaram cerca de 25% no mesmo período –média diária de 300– e as hospitalizações, 41%.
Ainda segundo o CDC, 93,4% das novas transmissões foram causadas pela delta nas duas últimas semanas de julho e 97% das pessoas hospitalizadas – e a maioria dos mortos – não tomaram vacina.
A variante foi identificada inicialmente na Índia e tem se espalhado com rapidez no Sul e Centro-Oeste dos EUA, bolsões de resistência aos imunizantes. Entre os obstáculos para a vacinação dos americanos estão o desequilíbrio entre grupos raciais – negros e latinos são historicamente mais resistentes a vacinas -, as diferenças políticas (maior parte dos republicanos diz que não quer ser imunizada) e a desinformação.
Coordenador de resposta da Casa Branca à pandemia, Jeff Zients relacionou a piora do quadro ao aumento na procura por vacinas, inclusive em regiões onde a imunização está mais lenta, a maioria governada por republicanos.
“Desde a semana de 5 de julho, tem havido um aumento constante no número de pessoas vacinadas nos EUA”, afirmou, em entrevista coletiva na segunda (2). “Louisiana viu um aumento de 302% no número médio de novos vacinados por dia; Mississippi, 250%; Alabama 215% e Arkansas 206%.”
Levantamento do New York Times mostra que o Mississippi é o estado com menor índice de vacinação dos EUA: somente 51% da população adulta tomou ao menos uma dose. Em Louisiana, onde as UTIs voltaram a operar no limite de leitos, a taxa é de 55%, enquanto o Alabama registra 55,2% e o Arkansas, 59,7% de adultos parcialmente imunizados.
Os também sulistas Flórida e Texas juntam-se aos recordes de novos casos (um terço de todas as transmissões no país na semana passada foram registradas nos dois estados), apesar de computarem taxas de vacinação um pouco melhores que os demais. Na Flórida, 70,2% da população adulta tomou ao menos um dose, enquanto no Texas, o índice é de 66%, mas os dois governadores –republicanos– recusam-se a restabelecer medidas de prevenção, como uso de máscara em lugares fechados, em meio aos surtos.
No início da semana, os EUA atingiram a marca de 70% de adultos com ao menos uma dose da vacina, quase um mês depois do que fora prometido por Biden. Zients destacou a preocupação com a delta como fator determinante para alcançar a meta, mesmo que mais tardia. “Os americanos estão vendo o risco e o impacto de não serem vacinados.”
Cerca de 193,7 milhões foram vacinados com ao menos uma dose nos EUA (58,4% da população total), incluindo quase 166 milhões completamente imunizadas (50%). No entanto, 90 milhões ainda não tomaram a vacina e, segundo especialistas, tornaram-se porta de entrada da delta.
Para tentar impulsionar a campanha de imunização – que viu a média de aplicações diárias cair de 3 milhões, em abril, para menos de 500 mil, em julho -, diversos estados, municípios e o governo federal lançaram uma série de estímulos, com prêmios, brindes e até o pagamento de US$ 100, mas, até agora, as medidas ainda não tinham gerado mudança significativa nas contas do governo.
No início da semana, o diretor de dados de Covid-19 da Casa Branca, Cyrus Shahpar, comemorou em suas redes sociais a maior média de primeiras doses aplicadas em um único dia em mais de um mês: 441 mil. O número ainda é distante dos recordes vistos em abril –como muita gente já se vacinou, a queda era esperada, mas não de forma brusca.
Ainda não há dados e pesquisas suficientes para o entendimento completo sobre a delta. Mas, apesar de haver registros de contaminação de pessoas completamente imunizadas – ainda que minoritários e sem gravidade -, autoridades nos EUA estão tratando os novos surtos como a pandemia dos “não-vacinados”.
Diante do avanço da delta, o país começou a ver casos de pessoas que não haviam tomado vacina e, depois de contaminadas, dizem que estão arrependidas. “As pessoas estão com medo. A doença está se espalhando tão amplamente que os americanos estão aprendendo o quão perigosa ela é”, afirma Monto.