SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A matemática e a ciência endossaram a afirmação de muitos especialistas: o lockdown, criticado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é eficaz no controle da pandemia de Covid-19. Pesquisadores da plataforma SP Covid-19 Info Tracker, da USP e da UNESP, desenvolveram um estudo comparativo que mostra a evolução de casos, óbitos e internações de Araraquara, que fez lockdown permanente, com São Carlos, ambas no interior paulista.
Os dois municípios são próximos –cerca de 50 km os separam– e possuem as características socioeconômicas e geográficas semelhantes, além de pertencerem ao mesmo Departamento Regional de Saúde. Araraquara, sob o governo do prefeito Edinho Silva, do PT, foi a única do estado de São Paulo que implementou um lockdown rígido ininterruptamente, praticamente virou uma cidade fantasma entre os dias 21 de fevereiro e 2 de março. Só farmácias e unidades de saúde tiveram permissão para funcionar. As barreiras sanitárias, implantadas na época, continuam em operação, segundo a prefeitura.
“Em termos de medidas restritivas, antes da implementação do lockdown [em Araraquara], as duas cidades tinham índices epidemiológicos muito similares. A partir do momento em que Araraquara implementa o lockdown, os índices passam a refletir outra realidade no município, quando comparado com São Carlos, que apenas seguiu o Plano SP”, afirma o pesquisador e coordenador da plataforma, Wallace Casaca.
De acordo com o estudo, o pico de novos casos em Araraquara ocorreu perto do início do lockdown, entre os dias 15 e 26 de fevereiro de 2021. Após esse período, o índice sofre uma redução significativa até ficar abaixo dos números registrados em São Carlos.
Entre 15 de fevereiro e 18 de março, observa-se também que a taxa de transmissão em Araraquara decresce rapidamente e se estabiliza abaixo de 0,6. São Carlos, inicialmente permanece com 0,7 e supera 1,0 a partir de 15 de fevereiro.
Na segunda parte do estudo, os pesquisadores compararam outros municípios com Araraquara –além de São Carlos, foram estudados os números de mortes por 100 mil habitantes em Jaú, Dracena e Presidente Prudente, que não implementaram regime de lockdown rigoroso.
“Nesse cenário, onde as cidades são de diferentes tamanhos, principalmente em número de habitantes, a comparação pelo número de mortes por 100 mil habitantes é mais fiel à realidade. Não é possível comparar valores absolutos entre municípios com diferentes tamanhos e números distintos de habitantes”, afirma.
Para isso, foram observados três períodos : P1 (17/01 a 13/02), P2 (14/02 a 13/03) e P3 (14/03 a 10/04). Cada um deles possui quatro semanas epidemiológicas (no total, 28 dias). Dracena, cidade em que a incidência da P1 foi muito alta e a situação ficou descontrolada, implantou toque de recolher e fez lockdown aos finais de semana. Na avaliação de Casaca, as medidas restritivas implantadas no município não foram suficientes para frear o avanço da pandemia.
Após o término do lockdown, implementado num período de dez dias no “mês epidemiológico” do segundo período, Araraquara registra uma redução de 52% nos novos óbitos entre o segundo e terceiro períodos, segunda maior queda apontada, estando apenas atrás de Jaú.
“A redução dos óbitos por 100 mil habitantes em Araraquara me chamou muito a atenção. Foi de 52%, ou seja, caiu pela metade. O dado aponta que, mesmo numa situação drástica como Araraquara estava vivenciando, é possível salvar muitas vidas com o lockdow “, declara o pesquisador.
No entanto, Jaú mantém um número mais elevado de óbitos do que Araraquara em todos os subintervalos. Nos casos de Presidente Prudente e São Carlos, houve aumento em todos os períodos. “Era importante averiguar qual o papel da variante P1 nos municípios, que não são do mesmo DRS, mas estão relativamente próximos. Por isso abrangemos essas cidades em termos de comparação”, explica.
Segundo Casaca, com base no estudo, é possível afirmar que o lockdown seria eficiente no combate à pandemia nas cidades do interior paulista. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou a afirmar que a decisão de colocar mais rigor nas medidas impostas pelo Plano SP caberia aos prefeitos.
Os resultados da pesquisa evidenciam que quanto mais medidas restritivas para impedir a circulação de pessoas, menor será o impacto da pandemia em termos de casos, mortes e internações. “Araraquara é a única cidade do estado que implementou um lockdown rígido e não intermitente, diferentemente de Jaú, por exemplo, que fez lockdown aos finais de semana. Obviamente ajuda, mas efetivamente não é tão válido quanto o contínuo, como Araraquara fez”, diz Casaca.
Jaú limitou o funcionamento de supermercados até as 20h, vetou a venda de bebidas alcoólicas após as 16h, limitou a ocupação nos ônibus a 30% da sua capacidade máxima e proibiu vendas pelo sistema drive-thru. “Em relação a Jaú, observa-se que a maior ocorrência de novos óbitos foi registrada em um intervalo de mais de um mês [25/01 e 10/3], coincidindo com o período em que a Santa Casa do município anunciou um colapso em seu sistema de saúde e ficou sem leitos de UTI Covid disponíveis. Além disso, no período mencionado, Jaú atinge um número de óbitos por habitante maior do que Araraquara”, explica Casaca.
“Presidente Prudente e São Carlos têm curvas que estão inicialmente pareadas com Araraquara, entretanto, em meados de fevereiro, há uma ascensão nos óbitos de Araraquara, chegando ao seu pico próximo ao dia 8 de março. Após uma semana, pode-se, então, observar o efeito prático do lockdown em Araraquara na contenção da variante P1, a partir do rápido decrescimento de seus óbitos e do menor índice registrado entre todas as cinco cidades avaliadas”, afirma.
Na capital paulista e na Grande São Paulo há dificuldades do ponto de vista operacional para cumprir um lockdown rígido. “Seria difícil ou impossível, porque precisaria de uma fiscalização intensa. Se a gente parar para analisar, Araraquara teve o apoio do Exército para assegurar o regime de lockdown. Imagine como seria com 20 milhões de pessoas.” Em Araraquara, começou a vigorar nesta segunda (3) o decreto municipal que dá continuidade à retomada das atividades econômicas, seguindo a fase de transição.