RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em 2020, um popular aplicativo para ler a Bíblia online, o YouVersion Bible, registrou quase 600 milhões de buscas em todo o mundo, 80% a mais em relação ao ano anterior.
Um dos termos mais pesquisados, “medo”, levava a um famoso versículo do livro de Isaías: “Nada temas, porque Eu sou contigo”.
Nada ou pouco temem serem infectados pela Covid-19 quase metade (46%) dos evangélicos no Brasil de 2021.
Entre os católicos, o mesmo índice é de 32%.
Em geral, evangélicos formam uma parcela religiosa da população mais descrente nas vacinas e nas medidas de isolamento do que os cristãos fiéis ao Vaticano.
Os dados vêm da mais recente pesquisa Datafolha, realizada por telefone nos dias 15 e 16 de março de 2021, com 2.023 pessoas em todo o país.
A margem de erro é de dois pontos percentuais para baixo ou para cima.
Consideraremos aqui apenas esses dois nichos de fé por representarem 8 em cada 10 brasileiros -54% dos entrevistados se declararam católicos, e 24%, evangélicos.
As margens de erro de cada grupo são de três e cinco pontos para baixo ou para cima, respectivamente.
Para fins estatísticos, as amostras de outras religiões são pequenas e, se vistas isoladamente, têm margens de erro muito altas.
O Brasil vinha numa escalada de mortes quando a pesquisa foi feita, com 2.841 vítimas de Covid-19 no segundo dia da coleta de dados.
O Datafolha perguntou sobre a aderência dos brasileiros ao protocolo sanitário recomendado para controlar a doença, e nesse quesito cristãos dos dois lados não divergem muito.
Só 5% dos evangélicos e 3% dos católicos responderam estar vivendo normalmente, sem alterar a rotina.
A taxa dos que dizem usar máscara sempre, em ambos os segmentos, é de 9 em cada 10 entrevistados.
A média de quem já foi contaminado está dentro da margem de erro: 8% dos quem segue o Vaticano e 6% da outra porção cristã.
Os números se espaçam quando o assunto é vacinação, quarentena e quais serviços devem ser fechados.
A ampla maioria das duas fatias religiosas quer ser imunizada.
Entre os que se negam, enquanto só 6% dos católicos ainda não vacinados dizem que não pretendem sê-lo, mais do que o dobro (14%) dos evangélicos rejeitam a dose.
Os pesquisadores quiseram saber o que é mais importante neste momento, ficar em casa ou acabar com o isolamento para estimular a atividade econômica.
Entre católicos, 63% preferem deixar as pessoas quarentenadas ainda que isso possa prejudicar a economia e causar desemprego.
Concordam com a ideia 51% dos evangélicos.
O que deve fechar na pandemia? A interdição da praia é um empate, com 8 em cada 10 entrevistados nos dois grupos apoiando a medida.
Os jogos de futebol, quase: preferem que parem 78% dos católicos e 71% dos evangélicos.
O maior impasse é sobre as igrejas: 65% contra 39%, nessa ordem. Vale lembrar que muitos dos que se declaram católicos no Brasil não são praticantes, ao contrário dos evangélicos, que costumam viver intensamente a vida religiosa.
Logo, faz sentido que tenham mais apreço por templos abertos.
Que
governante deveria ser o principal responsável pelo combate à pandemia, presidente, governadores ou prefeitos? Jair Bolsonaro é o mais citado em todos os nichos, mas em menor grau para evangélicos: 35% acham isso, contra 44% dos seus pares cristãos.
A condução do presidente na maior crise de saúde do Brasil em um século é pouco otimista para a maioria dos entrevistados. Evangélicos, contudo, aqui novamente lhe dão mais moral: 27% aprovam a performance, versus 20% dos católicos.
O culto à fé explica em partes as eventuais cisões no universo cristão, diz o diretor de Pesquisas do Datafolha, Alessandro Janoni. “Algumas correntes religiosas sobrepõem-se à ciência e ao medo, e a classificação polêmica de templos como serviços essenciais é um exemplo dos reflexos desse fator sobre a segurança sanitária.”
Há, contudo, uma variável mais concreta nesta equação: o apoio maciço dos evangélicos garante a Bolsonaro capilaridade em segmentos estratégicos, como mulheres (que são 60% dos evangélicos) e os de menor renda (62% deles têm renda até dois salários),
Praticamente metade dessa parcela religiosa recebeu o auxílio emergencial em 2020 e voltará a pedi-lo neste ano.
“Com esse canal aberto, fica fácil a aderência do discurso conservador e negacionista do presidente à matriz de valores da igreja”, afirma Janoni.
Para Pedro Luis Barreto Litwinczuk, o Pedrão, teólogo e pastor batista, há de se considerar que na teologia há palavras-chave: meritocracia e graça.
A Igreja Católica se inclina à primeira. Crê que é por meio dos nossos feitos que alcançaremos a salvação. “Preciso confessar meus pecados e pagar penitências por eles para que tudo vá bem, e isso gera insegurança quanto à salvação.”
Já o povo evangélico aprende que não há nada que ele possa fazer para conquistar a salvação –ela nos é dada de forma graciosa por Jesus. “A partir do momento em que creio, reconheço meus pecados, me arrependo e, mesmo sendo uma pessoa falha, escolho não largar a mão de Jesus. Isso dá uma certeza da salvação que ninguém consegue tirar do coração de um verdadeiro evangélico”, diz Pedrão.
Mas o fiel deve estar ciente de que “a graça não nos remete ao descaso”, afirma o pastor. “Deus não fará por você aquilo que você pode fazer… Higiene, máscara, álcool em gel, distanciamento social.”
O comportamento do pastorado também vira referência. Tomemos de exemplo Edir Macedo, bispo-fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.
Em março de 2020, ele apareceu num vídeo em que pedia para a doença não ser superestimada. “Satanás trabalha com o medo, o pavor. Trabalha com a dúvida. E, quando as pessoas ficam apavoradas, com medo, em dúvida, as pessoas ficam fracas, débeis e suscetíveis. Qualquer ventinho que tiver é uma pneumonia para elas”, disse três meses antes de ser internado com Covid-19.
Na quinta (18), Macedo, 76, compartilhou em suas redes sociais imagens dele e da esposa sendo vacinados em Miami. Um seguidor comentou: “Amém, bispo! Muito bom ver o sr. e a dona Ester sendo exemplo para os demais”.