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CotidianoVacina brasileira contra Covid-19 só deve concluir testes a partir de 2022

Vacina brasileira contra Covid-19 só deve concluir testes a partir de 2022

Projetos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que é vinculada ao Ministério da Saúde, acabam de começar os testes em hamsters e ainda partirão para provas em primatas não humanos

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Vacina brasileira contra Covid-19 só deve concluir testes em 2022. (Foto: Governo do Estado/Divulgação)

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SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma vacina contra a Covid-19 desenvolvida no Brasil só deve chegar à última fase de testes em 2022.
Os projetos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que é vinculada ao Ministério da Saúde, acabam de começar os testes em hamsters e ainda partirão para provas em primatas não humanos.
O Instituto Butantan, vinculado ao governo de São Paulo, tem projetos em fase pré-clínica e outros em etapas anteriores.
 

Para cientistas brasileiros, a falta de investimento e de empenho do governo em promover um imunizante 100% nacional prejudica o combate à pandemia no país, mesmo após o início da imunização com vacinas de origem estrangeira, como está previsto para ocorrer com a chinesa Coronavac e a vacina inglesa da Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca.
 

Segundo relatório do Ministério da Saúde, atualizado em 30 de novembro de 2020, há 16 projetos de pesquisa para o desenvolvimento de uma vacina em andamento no país –todos em fase pré-clínica, quando testes são realizados em células ou animais. É o relatório mais recente da pasta sobre o tema.
 

Na lista de vacinas em desenvolvimento da OMS (Organização Mundial da Saúde), porém, apenas três projetos brasileiros foram registrados até a sexta-feira (8).
Segundo a pasta, oito iniciativas nacionais recebem apoio financeiro do Ministério da Saúde, do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
 

Desde 22 de dezembro, o MCTI propõe ao Ministério da Economia uma MP (medida provisória) para liberar R$ 390 milhões em caráter emergencial para financiar até três projetos na fase 1 dos ensaios clínicos e pelo menos um projeto na fase 3, a última antes da liberação da vacina.
Até a noite de sexta (8), 17 dias depois, não havia uma resposta da pasta de Paulo Guedes ao ofício do MCTI.
Técnicos do MCTI registraram nos documentos que embasam o pedido os riscos existentes para o país caso não seja liberado o dinheiro e o Brasil fique sem vacina própria.  

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O principal deles é a evolução do vírus, que pode caminhar para mutações com características próprias na região.
“Seria imprevisível se fôssemos acometidos por mutações no vírus Sars-CoV-2 que levassem o vírus a se tornar resistente às vacinas existentes. Certamente, o domínio de uma tecnologia nacional mitigaria essa imprevisibilidade”, afirma um documento usado para embasar a liberação extra de R$ 390 milhões.
O mesmo documento diz que, “caso a linhagem resistente seja endêmica no Brasil, teríamos muita dificuldade em adaptar vacinas existentes sem o domínio da tecnologia em território nacional”.
 

A nota técnica é do mesmo dia do pedido de edição da MP. O MCTI não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre ter pedido os recursos somente no fim de 2020.
A reportagem procurou todas as instituições responsáveis por pesquisas com uma vacina brasileira, para saber o estágio dos estudos e a dependência da liberação de recursos públicos. A maioria planeja testes em humanos somente em 2022 –em boa parte dos institutos, falta dinheiro para essa fase, a mais cara do processo. 

A USP está envolvida em sete projetos de pesquisa para criação de um imunizante. O Instituto Butantan e a Fiocruz, por meio de Bio-Manguinhos no Rio de Janeiro e da Fiocruz Minas, aparecem na sequência, com três iniciativas em cada instituição.
Os métodos das vacinas em desenvolvimento variam, e vão desde técnicas mais conhecidas e utilizadas, como a de vírus inativado, até mecanismos mais modernos, como o uso de DNA e nanopartículas para induzir uma resposta imunológica.
 

Todas as vacinas carregam de alguma forma um antígeno, uma pequena porção do patógeno que tem a identidade reconhecida pelo corpo e ativa a resposta imunológica.
Um dos projetos mais avançados no país é desenvolvido pelo Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP). Ali, os pesquisadores esperam que a formulação em teste entre em estudos clínicos ainda neste ano.
 

Segundo o imunologista Jorge Kalil, que é ex-diretor do Instituto Butantan e coordena a iniciativa, os testes em humanos têm financiamento garantido de R$ 10,5 milhões, fornecidos pelo MCTI.
A pesquisa fez, inicialmente, uma análise da resposta imunológica do corpo ao entrar em contato com o Sars-CoV-2. Depois, os pesquisadores selecionaram os melhores antígenos para uma vacina, que atualmente passa por estudos pré-clínicos.
De acordo com Kalil, o objetivo é criar um imunizante para ser usado nas mucosas orais ou nasais. “Isso facilitaria muito a aplicação, que não dependeria de seringas e agulhas”, afirma.
 

A compra dos equipamentos é outro fator que preocupa e pode atrapalhar um plano de imunização nacional.
Outro projeto entre os mais adiantados é realizado pela empresa de biotecnologia brasileira Farmacore, em parceria com a americana PDS Biotech e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
A vacina em desenvolvimento ali é baseada em nanopartículas e proteínas recombinantes, pequenas partes do vírus produzidas por bactérias ou células que recebem informação genética do patógeno. A pesquisa passa pela fase final de estudos pré-clínicos.
 

Segundo Helena Faccioli, diretora da Farmacore, a previsão é de que os ensaios clínicos comecem em maio deste ano.
A executiva estima que serão necessários cerca de US$ 100 milhões (cerca de R$ 540 milhões) para a fase 3 dos testes em humanos e diz que a empresa busca parcerias e financiamento.
 

No Instituto de Biociências da USP, quatro projetos são realizados sob coordenação do biólogo Luís Carlos de Souza Ferreira, diretor da unidade.
Entre as plataformas investigadas estão vacinas com base em DNA e nanopartículas, e outros dois projetos para desenvolver imunizantes baseados em proteínas recombinantes. Segundo Ferreira, todos os projetos estão na fase pré-clínica.
 

Em Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz, dois projetos estão em andamento com recursos próprios e de captação externa, de acordo com Márcia Arissawa, assessora de Desenvolvimento Tecnológico da unidade.
Uma das vacinas em teste na instituição usa a técnica de subunidade, ou seja, um pequeno pedaço do vírus capaz de induzir resposta imune no corpo. A outra usa peptídeos sintéticos que correspondem a pequenas porções de proteínas do vírus.  

Segundo Arissawa, os projetos estão na fase de testes em animais.
Na lista do Ministério da Saúde, o Instituto Butantan aparece com três pesquisas em andamento na fase pré-clínica. A instituição, porém, não detalhou os estudos a pedido da reportagem e diz que não faltam recursos para as pesquisas.
 

Alguns cientistas reorientaram seus projetos em busca de uma solução. É o caso de pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná) que desenvolvem uma vacina que usa como vetor um polímero de origem bacteriana capaz de carregar o antígeno do Sars-CoV-2 para o corpo. Inicialmente, os estudos com o polímero eram voltados para o desenvolvimento de materiais.
O grupo recebeu financiamento no ano passado do CNPq e realiza testes em camundongos.  

Segundo Breno Castello Branco Beirão, professor do Departamento de Patologia Básica da instituição, os pesquisadores buscam parcerias que permitam avançar para a próxima fase de estudo.
Outros cientistas tentam adaptar vacinas que já são bem conhecidas. A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Butantan, testa a possibilidade de usar a BCG, vacina usada contra a tuberculose –baseada em uma bactéria atenuada– para gerar imunidade contra a Covid-19.
 

Os pesquisadores tentam fazer com que a bactéria contida na BCG passe a produzir as proteínas do coronavírus, segundo Sérgio Costa, pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e coordenador da pesquisa. O estudo ainda não chegou aos testes em animais.
 

Na avaliação de cientistas brasileiros, ainda é tempo de buscar uma vacina própria. “É uma questão de soberania nacional não depender de tecnologia estrangeira”, diz Costa.
“Não tem vacina para todos no momento, e essa situação pode se estender até o fim do ano ou pelo próximo ano. Se tivermos opções nacionais nas mãos, nos tornamos independentes”, completa.
 

“As vacinas disponíveis não são definitivas; vacinas são aprimoradas. Pode ser que tenhamos uma vacina brasileira igual ou melhor do que uma estrangeira, e ainda vai ser mais barato para o país”, afirma Kalil.
 

China, Índia e Rússia, países em desenvolvimento como o Brasil, já possuem vacinas próprias aprovadas para uso emergencial.
Para Ferreira, da USP, falta maior atuação do Ministério da Saúde, com investimento e fomento de parcerias.
“Nenhuma dessas pesquisas nacionais vai competir com as vacinas já disponíveis. Então, o caminho é gastar bilhões de reais para licenciar os imunizantes estrangeiros e aplicá-los. O investimento é fundamental para que isso não se repita”, diz.
 

De acordo com o pesquisador, ficou clara a falta de competência nacional para criar um imunizante. “Temos duas grandes empresas públicas que fabricam vacinas, mas não temos autonomia. Estamos praticamente de joelhos esperando pelos fabricantes do exterior. O Brasil não se preparou”, diz.

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