BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – No ano passado, Jair Bolsonaro decidiu terceirizar a operação política do governo. Com popularidade em queda, aliados sob investigação e murmúrios sobre impeachment, o presidente fechou um acordo de proteção no Congresso.
Agora, a abertura da CPI da Covid no Senado embaralha os termos dessa negociação.
Controlar uma comissão de inquérito exige processos políticos complexos.
O governo precisa monitorar a escolha do presidente e do relator, a indicação de senadores para o colegiado, a convocação de depoimentos explosivos e a aprovação de quebras de sigilo. Se o centrão soltar alguma dessas engrenagens, o estrago pode ser grande.
Aliados de ocasião, esses parlamentares conhecem as fragilidades de Bolsonaro e sabem o tamanho do prejuízo que ele pode sofrer na CPI.
Mas até aqui, em vez de derrubar o presidente, eles estão mais interessados em extrair benefícios do governo.
Essa proteção tem um preço, porque o mero funcionamento da comissão tende a ser um fator considerável de desgaste para Bolsonaro.
Mesmo que o presidente consiga montar uma tropa de choque, ficarão em exposição contínua documentos que apontam a omissão do governo na pandemia, testemunhos de decisões equivocadas e críticas de uma oposição que se mostrou tímida nos dois últimos anos.
Os primeiros movimentos para a montagem da CPI indicam o tamanho do problema.
De um lado, o governo tenta convencer senadores a adiar a indicação dos membros da comissão -o que deve ter um preço. De outro, parlamentares articulam a escolha de Renan Calheiros (MDB-AL), crítico de Bolsonaro na pandemia, para a relatoria do colegiado.
Se o ritmo dos trabalhos estiver sob o comando de desafetos do governo, o Palácio do Planalto correrá um risco maior.
A base governista precisará fazer um trabalho de contenção de danos por até seis meses -tempo máximo de funcionamento da CPI.
O balcão de negócios deverá funcionar por todo esse tempo.
A vulnerabilidade de Bolsonaro nessa CPI deve fazer com que o governo tenha que tratar com senadores no varejo, para evitar derrotas na comissão.
Nos primeiros dois anos de mandato, o Planalto conseguiu manter o Senado sob controle porque fez acordos de cúpula com Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O corpo de parlamentares recebeu recursos e cargos direcionados por esses presidentes, mas não foi atendido de maneira direta pelo governo.
Agora, pode ser necessário fazer negociações pontuais a cada decisão importante: formar maioria, mudar o comando da CPI, evitar a exposição de contratos para a fabricação de cloroquina e barrar a convocação de operadores negacionistas do governo, para citar alguns exemplos.
O resultado desses acordos também vai depender do humor do centrão diante dos números da tragédia.
Até aqui, os partidos escolheram continuar sócios de Bolsonaro, mas a escalada de mortes e o comportamento conflituoso do presidente podem ativar o instinto de sobrevivência política dos parlamentares.
O caixa limitado do governo é outro ponto de atenção.
O Planalto já tem dificuldades para encaixar no Orçamento o apetite dos parlamentares por emendas. Se a CPI aumentar essa fatura, pode ser impossível fechar a conta.
No fim de 2019, quando rascunhava o contrato de parceria com o centrão, o Planalto conseguiu apoio para esvaziar a incômoda CPI das Fake News.
Não foi uma operação sofisticada: esses partidos aproveitaram a apatia da oposição e passaram a fazer corpo mole para dificultar o andamento das investigações.
Aquela mesma CPI ensinou ao governo que é possível apostar numa estratégia simples, mas arriscada: o tumulto. A comissão virou um palanque para enviados do gabinete do ódio e um espaço para que os governistas mais radicais fizessem ameaças a seus desafetos.
Esse movimento deve se repetir na batalha da CPI da Covid. Nesta sexta (9), Bolsonaro já deu cores políticas à comissão e disse que governadores e prefeitos deveriam estar sob investigação. Seus aliados levarão esse espírito para o colegiado.
O presidente aposta em um caminho adicional de conflito com o STF (Supremo Tribunal Federal). Contrariado, ele acusou o ministro Luís Roberto Barroso de “imprópria militância política” ao determinar a abertura da comissão.
Mais uma vez, Bolsonaro investe na tensão institucional para se defender. Se as negociações com o Congresso na CPI desandarem, os parlamentares também se tornarão alvos do presidente.