“Eu não senti acolhimento no Caps”, o relato é da moradora de São Carlos, Angela Lopes, de 46 anos. Ela tentou o suicídio durante a pandemia e contou sobre como foi receber a notícia de que teria de esperar seis meses para continuar o tratamento para depressão (veja relato completo abaixo).
Preocupado com casos como o dela e a qualidade do atendimento oferecido no município, o Fórum de Saúde Mental de São Carlos sugeriu 17 emendas ao Plano Plurianual (PPA) de 2022 a 2025.
Contratação de médicos psiquiatras, educadores físicos, psicopedagogos e redutores de danos; transformação do Caps II em Caps III, ampliando o atendimento para 24 horas por dia; e capacitação dos profissionais que fazem o atendimento de urgência e emergência das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e do Samu foram algumas das demandas apresentadas.
No entanto, apenas duas emendas acabaram sendo acolhidas. As Comissões de Legislação de Justiça e de Finanças e Orçamento entenderam que as emendas que versavam sobre contratação de profissionais e ampliação de horários de funcionamento de órgãos como o Caps gerariam despesas ao Poder Executivo, sendo, portanto, ilegais do ponto de vista jurídico.
Ex-vereador e membro da Comissão de Organização do Fórum de Saúde Mental de São Carlos, Lineu Navarro discordou da justificativa das comissões e afirmou que as emendas não eram ilegais. “O próprio Executivo, no PPA e na LDO, prevê a contratação através de servidores públicos para essas funções, mudando a Lei nº 16.000, que trata da estrutura organizacional da prefeitura municipal. Ora, se está previsto a modificação na lei, está previsto também o gasto para contratação desses novos profissionais”.
“O que nós deixamos claro nas emendas é que, enquanto não pudesse ser modificada a lei que trata da contratação através de servidores públicos, fizesse a contratação da forma que hoje contratam psiquiatras, através de contratos temporários. Portanto, não acrescentamos valor nenhum a ser gasto”, complementou Navarro.
Sem conseguir o apoio das comissões da Câmara Municipal, a única “arma” que sobrou para o Fórum de Saúde Mental é a cobrança. “A luta continua. Nós queremos uma saúde mental muito mais digna, muito mais humana, para todos aqueles que passam por doenças mentais, por transtornos mentais, e necessitam da rede de atenção psicossocial do nosso município”, afirmou o ex-vereador.
Seis meses para conseguir uma consulta com um psiquiatra
Sofrendo de depressão, Angela Lopes sofreu um agravamento no quadro depressivo por conta da pandemia e chegou a tentar se matar em 2020.
Ela precisou ser internada na ala psiquiátrica do Hospital Universitário, onde recebeu atendimento médico por 15 dias. “Essa pandemia assolou muito a gente. Ela causou um impacto muito sério na cabeça da gente. Fiquei desempregada, passei necessidade financeira, tive que pedir cesta básica. Eu sempre trabalhei, sempre tive uma vida muito ativa, então isso tudo impactou. Trouxe uma fragilidade muito grande para a minha vida”, disse.
Após receber alta, Angela foi encaminhada para continuar o tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
A falta de profissionais disponíveis e a demora para conseguir atendimento com um médico psiquiatra, porém, a desanimou.
Precisando de novas medicações e acompanhamento médico, ela foi informada no Caps que teria que esperar seis meses por uma consulta. “Eu não gostei do Caps justamente por conta dessa dificuldade de marcar, fiquei desestimulada e abandonei o serviço do Caps. Eu não senti acolhimento no Caps. Eu precisava do remédio, a psicologia não estava mais me dando amparo”, explicou.
Sem possibilidades financeiras de arcar com uma consulta particular, Angela só conseguiu receber atendimento médico após pedir dinheiro emprestado para uma amiga. “Eu não consegui esperar, porque os medicamentos que o HU me deu começaram a acabar. Eu estava desempregada e não tinha um tostão para pagar um psiquiatra”, disse.
Após mais alguns meses, entretanto, os medicamentos começaram a acabar novamente e Angela novamente se viu em uma situação difícil. “Uma consulta nesse psiquiatra que eu passei custava R$ 300. Eu não poderia, de novo, ficar pedindo para as amigas. Isso tudo nesse período de seis meses que eu estava aguardando o Caps”.
A solução encontrada por ela dessa vez partiu de uma informação passada por uma outra amiga, que indicou uma clínica onde Angela poderia fazer um convênio mensal no valor de R$ 30.
Para se consultar com um psiquiatra, no entanto, é necessário pagar mais R$ 95, o que também acaba pesando bastante em seu orçamento.
Recentemente, para sua felicidade, Angela conseguiu um emprego em uma rede de supermercados na cidade e agora está conseguindo arcar com as consultas, já que não teria condições de esperar seis meses para conseguir ser atendida por um psiquiatra na rede pública municipal. “A minha sorte foi que eu tive uma rede de amigos que me ajudaram e consegui um emprego. Então agora estou conseguindo pagar, mas e se eu não tivesse condições? “, questionou.
Outro lado