Levantamento coordenado por pesquisadores da UFSCar e da Fundação Getúlio Vargas mostra que a maior parte da opinião pública se mostra contra medidas autoritárias, entre elas o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida encontra contrariedade, inclusive, entre entrevistados que se dizem apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
A divulgação do Índice de Confiança na Justiça do Brasil (ICJBrasil) acontece às vésperas das manifestações de 7 de setembro, quando grupos devem ocupar as ruas das principais cidades do país em movimentos a favor e contra o atual governo.
Na edição deste ano, a ICJBrasil 1.650 pessoas entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. E nesta edição, além das questões mais gerais sobre a confiança da população no Poder Judiciário, a pesquisa teve perguntas específicas sobre o STF.
“As perguntas buscam medir conhecimento, confiança e legitimidade. A confiança vem da avaliação de desempenho, depende da concordância ou discordância com as decisões tomadas. Já a legitimidade não tem relação direta com o comportamento da corte, e sim com percepção de valor da instituição, com expectativas normativas sobre as suas competências. A legitimidade depende, portanto, do conhecimento sobre essas competências, sobre o papel do STF na democracia brasileira”, situa Fabiana Luci de Oliveira, docente do Departamento de Sociologia da UFSCar que é uma das coordenadoras do estudo.
O levantamento mostra que, embora a maior parte das pessoas já tenham ouvido falar do STF (80% dos respondentes), apenas 15% têm familiaridade com as suas competências. “Esse desconhecimento aumenta a fragilidade institucional da Corte, a susceptibilidade às críticas e, até mesmo, a ataques dos outros poderes e instituições”, afirma Oliveira.
Das pessoas entrevistadas, 42% responderam que confiam no Supremo, percentual que era de 24% em 2017. Essa confiança, no entanto, varia conforme o apoio ao presidente, sendo maior – 47% – entre os que não declararam voto em Jair Bolsonaro.
“Se as pessoas conhecem pouco as competências do STF, acabam dependendo de terceiros para formar a sua opinião. E se o presidente elegeu o Supremo como inimigo número 1 do governo, é esperado que seus apoiadores tenham adesão a essa visão também”, explica a pesquisadora da UFSCar.
A distinção entre apoiadores e críticos aparece com ainda mais força na avaliação específica sobre ações da corte na pandemia. Das pessoas que disseram estar acompanhando as decisões do STF na pandemia (45% do total), 39% consideram a atuação do Supremo ótima ou boa, 35% regular e 25% ruim ou péssima. No entanto, entre eleitores declarados de Bolsonaro, 39% avaliam a atuação negativamente, percentual que cai para 18% entre aqueles que não declaram apoio ao presidente.
“Na pandemia, o STF decidiu contra a maior parte das políticas do governo Bolsonaro que buscavam minimizar a gravidade deste momento, sobretudo ligadas às restrições sanitárias. Assim, por causa do teor dessas decisões, que têm colocado freios às políticas e posições negacionistas, a cisão entre eleitores e não eleitores fica mais explícita”, analisa Oliveira.
Mesmo assim, oito em cada dez brasileiros acham que é injustificável o fechamento do STF pelo presidente quando o País enfrenta dificuldades (76% dos respondentes, com índice de 63% entre eleitores de Bolsonaro).
“O percentual de 42% de confiança, que poderia parecer baixo, não pode ser lido separado desses 76%, dos 62% contrários à possibilidade de Bolsonaro afastar os ministros Alexandre de Moraes ou Luiz Roberto Barroso por discordar das decisões que eles têm tomado ou dos 58% que discordam que seja melhor fechar o Supremo caso ele decida sistematicamente contra os anseios da população”, contextualiza a pesquisadora da UFSCar.
“Embora a confiança, ou seja, a avaliação do desempenho, seja baixa, a legitimidade é mais alta. Embora a população esteja descontente com as decisões, com o comportamento do STF em termos práticos, existe percepção do valor da Instituição e de sua importância para a existência da democracia”, conclui Oliveira.
“O STF dispõe de legitimidade e do apoio da maior parte da população para resistir aos ataques que o atual governo tem feito contra a democracia. É percebido pela maior parte da população que é fundamental a existência de um tribunal que possa colocar controles a esta escalada autoritária, autocrática. Ainda que não se conheça muito bem, que não se entenda muito bem as funções do Supremo, há uma percepção partilhada entre a maioria que o STF tem sim um papel e que ele não pode estar à mercê das arbitrariedades de qualquer um dos outros poderes, não pode estar à mercê das arbitrariedades do presidente”, acrescenta.