No dia 11 de janeiro de 2023, o ex-banqueiro Sergio Rial renunciou ao cargo de presidente da Americanas poucos dias depois de chegar à posição. A causa da renúncia foi a descoberta de um rombo estimado em R$ 20 bilhões.
Um ano após as revelações, o valor de mercado da rede de varejo é de R$ 776 milhões, 93% a menos dos R$ 10,8 bilhões que valia quando Rial chegou à presidência do grupo. O valor já foi bem maior, já que no auge, em agosto de 2020, a empresa chegou a valer mais de R$ 111 bilhões. Entretanto, com a alta dos juros, o setor de varejo perdeu ímpeto, e o valor caiu.
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Responsável por 13% das vendas pela internet no Brasil ao final de 2022, a Americanas chegou a cair para apenas 4,3% no pior momento do ano passado. “Sofremos uma baque no digital na partida, viemos recuperando parte disso ao longo de 2023, mas ainda muito distante dos patamares de 2022?, disse ao Estadão/Broadcast o presidente da Americanas, Leonardo Coelho. A redução nas vendas físicas, porém, foi menor, o que deu um certo fôlego à rede.
CONVERSAS DIFÍCEIS
Inicialmente, a varejista recusou o uso do termo fraude para explicar as causas do rombo, mas após os resultados de uma investigação independente, acabou adotando o termo e chegou à conclusão de que o rombo era maior, de R$ 25,2 bilhões.
As primeiras conversas com os bancos, principais credores, foram tensas: as instituições, em especial o BTG Pactual e o Bradesco, partiram para o ataque, não poupando críticas ao trio de acionistas, acusados de saberem dos problemas na rede. Foi preciso quase um ano de reuniões e acertos para um acordo ser fechado, com o compromisso de que não haja litígios.
Em meio à crise, a Americanas viu o caixa minguar para cerca de R$ 800 milhões. Sobreviveu graças à recuperação judicial e a um empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio, que evitou a necessidade de vender ativos a preços baixos ou de contrair empréstimos mais caros, concedidos a empresas em crise.
No acordo fechado, os bancos converterão quase 80% de suas dívidas em ações e o trio de acionistas vai colocar R$ 12 bilhões no grupo, incluído o DIP, em um aporte total de R$ 24 bilhões. Com esse desenho, os bancos e os acionistas de referência deterão 98% do capital da Americanas.
DAQUI EM DIANTE
Após a crise e com um balanço saneado, a Americanas deve focar no retorno às origens da operação física. Coelho define essa etapa como uma retomada da simplicidade: o consumidor vai à Americanas porque sabe que lá vai encontrar o que procura, mesmo quando não tem certeza do que quer, diz.
“A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil”, afirma. No digital, a companhia manterá no estoque próprio apenas o que espelhar os produtos presentes nas lojas físicas. O restante será repassado a terceiros, que vão vender por meio dos sites do grupo.
A competição segue acirrada, mas a crise da companhia levou a uma mudança na configuração do setor. Dados da consultoria SimilarWeb compilados pelo BTG apontam que a audiência perdida pelos sites da Americanas migrou para dois titãs internacionais, o Mercado Livre e a Amazon.
A Americanas reduziu o contingente de funcionários de 43,2 mil, em janeiro de 2023, para 32,5 mil, em dezembro. A empresa, diz, porém, que a redução líquida no período é de cerca de 5 mil empregados, excluídos os efeitos sazonais típicos do varejo, que contrata muitos funcionários temporários em finais de ano. Boa parte da reestruturação feita no ano passado foi no digital, com a redução de centros de distribuição, mas segundo Coelho, a cúpula também ficou menor.
Hoje, além dele, a diretoria da Americanas conta apenas com a diretora Financeira e de Relações com Investidores, Camille Faria. Os dois entraram após a recuperação judicial, diante do afastamento de antigos diretores, implicados na investigação da fraude. Até janeiro do ano passado, a companhia tinha quatro diretores além do presidente, divididos por área de atuação.
DELAÇÃO E COOPERAÇÃO
Se financeira e operacionalmente a Americanas conseguiu sobreviver ao turbulento ano de 2023, o rombo ainda deve gerar ruído. Ex-diretores da companhia fecharam em agosto um acordo de delação premiada e, em uma estratégia inédita para investigar uma empresa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fechou acordo com pessoas envolvidas no caso Americanas em busca de cooperação para apurar o que ocorreu.
Em outra frente de investigação, o Comitê Independente criado pelo conselho de administração para apurar as circunstâncias que ocasionaram a fraude ainda não revelou o resultado de seu trabalho e, em dezembro, disse que a publicação de um documento preliminar poderia levar a “juízos preliminares inadequados”.
Procurado, o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, que tornou pública a fraude, não se manifestou.
HISTÓRIA DA EMPRESA
A Americanas nasceu um mês antes da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. E, 94 anos após o evento que desencadeou a maior crise financeira global, a varejista protagonizou o maior escândalo contábil privado da história brasileira. O caso colocou três dos maiores empreendedores do País no olho do furacão: os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acionistas de referência da companhia
O trio assumiu a empresa em 1982. Comandou uma revolução que transformou a Americanas em uma das maiores varejistas do País, investida replicada no varejo online a partir de 2006, ano da fusão entre a Americanas.com e o Submarino, que criou a B2W.
Na década seguinte, a B2W competiu fortemente com rivais como Magazine Luiza e Casas Bahia (então Via Varejo) pelo posto de campeã do e-commerce no País, mas suscitava dúvidas no mercado. A empresa operava no vermelho desde 2011, e para financiar a expansão, recorreu a diversos aumentos de capital, o último deles na pandemia, corrida que pode ter ajudado a ampliar o rombo.
*Com informações de Altamiro Silva Junior e Matheus Piovesana/Agência Estado
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