Ela estava sentada à frente de uma floricultura da Avenida Papa João Paulo II, no bairro Padre Anchieta, em Campinas, logo em frente ao terminal de ônibus. O comércio, centralizado entre uma venda de pastéis e de uma antiga banca de jornal, destaca-se pela cor rosa e pelas flores empilhadas em frente à porta branca. “Em 1998, eu comecei com o ramo de flores”, diz a empreendedora Silvia Maria da Silva Morais, de 80 anos. Na pequena casa rosa, ela está há mais de dez anos e já tem uma opinião sobre os desafios de empreender no bairro.
”Aqui já foi um ponto muito bom, mas caiu depois da pandemia”. Em Campinas, de acordo com um levantamento do SindiVarejista (Sindicato do Comércio Varejista de Campinas e Região), houve uma redução de comércios não essenciais após os anos críticos de isolamento. Esse sintoma foi sentido por Silvia e, embora diga que as vendas caíram, ela afirma que outros fenômenos são mais preocupantes no bairro.
“Eu já fui furtada aqui várias vezes”, diz. “Um desses furtos foi logo depois da pandemia. Eles entraram pelas janelas do fundo e estouraram o fundo do prédio”. A comerciante explicou que a janela é também de madeira, o que facilitou a atuação dos criminosos. Segundo ela, a loja já foi invadida, pelo menos, quatro vezes.
“A última vez faz duas semanas. Eles levaram só coisa de comer. Aqui tinha uma cesta de café e eles levaram”,
desabafou a senhora.
De acordo com a PM (Polícia Militar), os patrulhamentos dos policiais acontecem 24h, mas por causa de poucas viaturas disponíveis, algumas áreas ficam desassistidas por algumas horas. Nesses casos, a polícia aconselha realizar um boletim de ocorrência sempre que um furto ou roubo acontecer.
Embora Silvia relate insegurança, ela diz que morar no Padre Anchieta é bom. “Somos bem servidos, tem muitas opções de comércio”. De acordo com a Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Campinas, o bairro possui comércios e serviços de características locais, como padarias, farmácias, lojas de roupa, lanchonetes, barbearias, salão de cabelo, bazar, armazéns, chaveiros, casas de ração, papelarias, açougues e, pelo menos, três opções de mercados.
“Aqui só o que eu acho que falta um pouco é restaurante, que não acha fácil”, comentou uma funcionária de um brechó da rua Papa São Dionísio. “Descendo a rua do teatro até pode ter, mas eu não conheço muitos por aqui”.
UM DOS PRIMEIROS COMERCIANTES DO PADRE ANCHIETA
João Vicente tem marca registrada no Conjunto Habitacional Padre Anchieta. O empreendedor é comerciante há, pelo menos, 50 anos. “Eu já estou com 69 anos. Comecei quando era criança, com 13 anos”, diz. A vida do comerciante foi marcada pelo comércio e assim ele espera permanecer até o final do ano.
“Esse, se Deus quiser, vai ser o último ano que eu vou trabalhar”, afirmou. Entre os moradores dos arredores da Avenida Papa João Paulo II, parece ser quase unanimidade que Vicente é um dos primeiros comerciantes do bairro. “Ele começou com um armazém, eu estou voltando de lá agora”, disse uma moradora com um sacola de compras. “Atualmente, ele também tem uma casa de ração”.
“Deixar para os mais jovens”, é o que justifica a decisão de parar com o empreendimento. Embora Vicente deseje encerrar a casa de ração que buscou se dedicar mais nos últimos anos, o fluxo de clientes parece bom.
“Eu gosto de trabalhar aqui, mas tem dia que eu estou atendendo uma pessoa e já chega outro, no grito e sem paciência”,
explica.
Sobre os desafios, o empreendedor revela que reajustar os valores das mercadorias é complexo. “Os clientes não entendem muitas vezes quando aumentamos o valor dos produtos, por causa dos impostos. Eu busco ser o mais honesto possível, entende?”.
No Padre Anchieta, Vicente está desde os 26 anos de idade e ele pôde ver muitas mudanças. “Eu vi quando aumentou a população, vi quando o bairro cresceu nos arredores, quando apareceu os hospitais também. Aqui não tinha hospital, não tinha bombeiro, não tinha nada”, diz.
Não tão distante do empreendimento, do outro lado da Avenida Papa João Paulo II, é possível ver o Pronto Socorro Metropolitano, o Centro de Saúde Padre Anchieta e o Corpo de Bombeiros do bairro.
Além disso, quem desce a Avenida pode encontrar o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) local e também a Praça da Integração, que é um dos espaços de lazer oferecidos à população do bairro.
OPORTUNIDADES NO BAIRRO
Eduardo não é do bairro Padre Anchieta, mas ele tem muito o que falar do lugar. O empreendedor de 48 anos tem uma loja de variedades no outro lado da Avenida Papa João Paulo II, considerada como o principal centro comercial do bairro. Ele vem de Limeira e se orgulha do legado que tem construído. “Eu lembro que, quando vim pra cá, eu disse para o meu antigo patrão que eu ia ficar só 30 dias. Desde então, fazem quase 30 anos”.
Com o comércio de produtos variados, Eduardo José da Silva, ou Edu, como é conhecido pelos colegas, diz que trabalha com o empreendimento há 25 anos no Padre Anchieta.
“Como todo comércio, esse aqui surgiu como uma esperança que desse certo. Começou com uma mesinha no canteiro central. Trabalhava, na época, com CDs e a gente foi crescendo”.
Atualmente, a equipe de Eduardo trabalha com artigos de épocas sazonais. “É com muita dificuldade, mas estamos seguindo. Os desafios são muitos”. Ele se recorda da época em que manobrava um trailer com as mercadorias em frente ao antigo bar de um colega. “O Bar Marília era um dos mais antigos daqui”.
O bar era característico. Tinha grades de ferro, paredes laranjas e mesas com marcas de bebidas espalhadas pelo salão. Na fachada, em letras garrafais vermelhas, estava o nome do estabelecimento. Hoje em dia, o antigo bar virou um novo espaço para o negócio de Edu. “O seu Carlos me ajudou muito. Ele via e entendia as dificuldades. Que Deus o tenha, infelizmente, recentemente, ele faleceu”.
No bairro, Eduardo encontra também alguns outros desafios no dia a dia. Não tão distante, há redes grandes de mercado que acabam competindo com os pequenos comércios. Por outro lado, entre 2018 e 2022, de acordo com um levantamento realizado pela empresa-filha da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Linkages, o comércio de rua do município teve um aumento de 97%. Os dados representam um fortalecimento do comércio dos bairros dos distritos da cidade.
Já um levantamento elaborado pelo site EmpresasAqui, em 2023, mostra que o bairro Conjunto Habitacional Padre Anchieta conta com 1.317 empresas. Entre essas, 95% correspondem a micro empresas – como a empresa de Edu, Vicente e Silvia -, 3% a empresas de pequeno porte e 2% de médio a grande porte.
Antes do comércio, Eduardo trabalhou como motoboy de cobrança de uma funerária de Limeira, há aproximadamente 48 km do lugar que hoje chama de lar, por 11 anos. “Trabalhando na funerária, eu rodei Campinas, Sumaré e Hortolândia inteiras. E aí eu decidi montar a loja no lugar que eu melhor me adaptei”.
Edu é do Jardim Olinda, ele nunca morou, de fato, no Conjunto Habitacional Padre Anchieta, mas reconhece a boa oportunidade que conseguiu construir por lá. Com orgulho e um sorriso, ele revela o que realmente pensa do bairro.
“Eu costumo dizer que é um dos melhores bairros de Campinas. Mas desculpa os outros, mas, para mim, esse aqui é o melhor”.
Vozes da Nossa Gente
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