Por André Borges, Célia Froufre, Cleide Silva e Érika Motoda
Seis meses depois de começar a voar, a aérea ITA, do grupo Itapemirim, voltou ao chão – e com muito drama. Passageiros sem atendimento e sem saber o que fazer nos aeroportos por causa de uma operação suspensa dias antes do feriado do Natal. No entanto, será que a ITA não era uma tragédia anunciada? Afinal, foi criada por um grupo de transporte rodoviário que está em recuperação judicial para atuar em um setor que exige forte capacidade de investimento.
Diante da falta de informações, ontem, no Aeroporto de Guarulhos, passageiros chegaram a interromper o embarque das outras empresas para chamar a atenção para a falta de atendimento. Entre os prejudicados estava Jeane Mendes, 30 anos, que descobriu às 5 da manhã que não voaria mais de Guarulhos a Salvador. “Isso é uma tragédia anunciada. Se sabiam que iam falir, por que remarcaram a passagem de uns e fizeram check in de outros?”, questionou a passageira.
A dúvida recai, então, sobre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac): será que o órgão regulador deveria ter dado o aval para a ITA voar? Afinal, cabe à agência fiscalizar o funcionamento do segmento e garantir a sua operação plena.
Desde o anúncio da suspensão das operações da aérea, a companhia informou que exigirá da ITA reacomodações ou reembolsos. Além disso, afirmou ainda que a segurança das operações aéreas é sua prioridade e que, devido à paralisação das operações da empresa, suspendeu o seu Certificado de Operador Aéreo (COA).
No segundo comunicado sobre a situação da ITA, divulgado ontem, a agência disse que o órgão continuará atuando no monitoramento da situação e adotará as medidas administrativas cabíveis em caso de descumprimento das regras do transporte aéreo.
LIVRE MERCADO
A agência não quis falar diretamente sobre o assunto, quando questionada, mas o Estadão apurou que o entendimento interno é de que o problema da ITA é uma questão de livre mercado, enquanto o papel da Anac teria sido mais de exigir que a empresa passasse por um processo rigoroso para comprovar ser capaz de voar – o que foi feito.
A análise da capacidade financeira da companhia chegou a ser feita pela agência. Como era uma empresa que vinha de um processo de recuperação judicial, a Anac chegou a tomar algumas precauções e prestou informações, inclusive ao Congresso Nacional.
No início das operações da ITA, a empresa chegou a vender mais passagens do que assentos disponíveis em seus aviões. Naquela ocasião, a agência chegou a agir para controlar de perto a venda de bilhetes. Já nos primeiros meses de operação, a tripulação denunciou por diversas vezes atrasos em salários e benefícios.
Para Felipe Bonsenso, sócio da Bonsenso Advogados e especializado em aviação, a Anac cumpriu seu papel no processo de certificação da ITA, que fez tudo o que é exigido pela legislação. “Mesmo que eventualmente soubesse da dificuldade da empresa em ir para a frente, ela não poderia recusar a autorização operacional”, afirma Bonsenso.
Para o especialista, uma interferência desse tipo somente poderia ser feita se existisse no Brasil uma lei exigindo um capital mínimo, um fundo de reserva ou algo nesse sentido. André Castellini, sócio da Bain & Company, vai na mesma linha. “A Anac olhou o lado técnico para autorizar a operação da nova empresa, que cumpriu com todas as exigências, mas ao longo dos seis meses, a ITA ficou fragilizada e deixou de cumprir acordos.”
Segundo ele, a Anac não faz um acompanhamento financeiro das companhias, mas a regulamentação e o acompanhamento da prestação de serviços.