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Brasil e MundoFome atinge 33 milhões de pessoas no Brasil, número igual da década de 90

Fome atinge 33 milhões de pessoas no Brasil, número igual da década de 90

Pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado a patamares equivalentes aos de 2004

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Pobreza (Foto: Pedro de Paula/Código19)
Número de pessoas que não têm o que comer aumentou (Foto: Pedro de Paula/Código19)

 

A fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, lançado nesta quarta-feira (8). 

Atualmente 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País; 14 milhões a mais do que no ano passado. A nova edição da pesquisa mostra ainda que mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderado ou grave).

Especialistas que participaram do levantamento dizem que o desmonte de políticas públicas por parte do governo, o agravamento da crise econômica, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia contribuíram para a piora do quadro.  

No ano passado, o número de brasileiros que não tinham o que comer era de 19 milhões. Em 2018, eram 10 milhões. A falta de acesso regular à água para beber e cozinhar, a chamada insegurança hídrica, também é um problema para 12% da população brasileira. 

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“Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013 reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros (tirando o País do mapa da fome mundial)”, explica o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf. “As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante do cenário de alta inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulneráveis.”

Como explica a gerente de programas da Oxfam-Brasil, Maitê Gauto, a pandemia surgiu neste contexto de agravamento da pobreza e o estado não tinha mais estruturas para responder à altura. Não por acaso, 15,9 milhões de pessoas (8,2% da população) relataram “sensação de vergonha, tristeza ou constrangimento” por terem sido obrigadas a usar de meios “social e humanamente inaceitáveis para obtenção de alimentos”.

A pesquisa é realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução em campo do Instituto Vox Populi, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Oxfam, entre outras instituições. Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, por meio de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios distribuídos pelos 26 estados e o Distrito Federal. A pesquisa usa a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), a mesma usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado a patamares equivalentes aos de 2004. Este ano, o levantamento mostra que apenas quatro em cada dez domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação; ou seja, são considerados em condição de segurança alimentar. De acordo com os pesquisadores, os números atuais são similares aos do início da década de 90, quando o Brasil tinha 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou uma campanha nacional contra a fome.

“O Auxílio Brasil não responde à altura do problema; embora seu valor seja maior do que o do Bolsa Família, a cobertura dele é bem menor”, explica Maitê Gauto, da Oxfam-Brasil. “Além disso, até o ano passado, um salário mínimo era suficiente para que a pessoa não entrasse em situação de fome; nesta pesquisa, isso já mudou, o valor da cesta básica já está batendo o do salário mínimo.” 

REGIÕES

A nova pesquisa mostra que a fome atinge as regiões do País de forma muito desigual. Em média, 15% dos brasileiros estão abaixo da linha da pobreza. O porcentual, entretanto, chega a 25% e 21% no Norte e no Nordeste. A situação também é pior entre os negros e as mulheres.

Segundo o levantamento, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com alguma restrição alimentar. Comparando com o primeiro inquérito, a fome saltou de 10,4% para 18,1% dos lares comandados por pretos ou pardos.

As diferenças também são expressivas na comparação entre lares chefiados por homens e por mulheres. Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Nos lares em que os homens são os responsáveis, o salto foi de 7,0% para 11,9%. Segundo os pesquisadores, isso ocorre por conta da desigualdade salarial entre os gêneros.

Outro dado preocupante levantado pelo estudo é que, em pouco mais de um ano, a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos de idade – passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. Na presença de três ou mais pessoas com até 18 anos de idade no grupo familiar, a fome atinge 25,7% dos lares. Já nos domicílios apenas com moradores adultos, a segurança alimentar chegou a 47,4%, número maior do que a média nacional.

Praticamente não há fome nas famílias com renda superior a um salário mínimo por pessoa. Em 67% desses domicílios o acesso a alimentos é pleno e garantido. Ainda assim, 33% das famílias enfrentam algum grau de insegurança alimentar. A fome é maior nas casas em que a pessoa responsável está desempregada (36,1%), trabalha na agricultura familiar (22,4%) ou tem emprego informal (21,1).

Cerca de metade das famílias que deixaram de comprar arroz, feijão, vegetais e frutas nos últimos três meses, convivem com insegurança alimentar moderada ou grave. Entre as famílias que deixaram de comprar carne nos três meses anteriores à pesquisa, 70,4% estavam passando fome. Dados semelhantes foram encontrados nos lares onde os moradores não haviam comprado frutas (64%) e vegetais (63,6%).

“Esse é outro problema sério”, diz a professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ, Rosana Salles, pesquisadora da rede. “Estamos abrindo uma janela para o aumento dos índices de doenças crônicas na população por conta da alimentação ruim.”

A segurança alimentar, por sua vez, é maior nos lares em que o chefe da família trabalha com carteira assinada (53,8%) e entre os que têm mais de oito anos de estudo (50,6%).

“Reverter essa situação é um desafio muito grande”, constata Rosana Salles. “Vai depender da reestruturação das políticas de governo, das políticas de combate à fome e à miséria, da valorização do salário mínimo, do controle dos preços da cesta básica. Além, é claro, da reestruturação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).”

Maitê Gauto lembra ainda que medidas emergenciais devem ser tomadas o mais rapidamente possível. “Precisamos de programas de proteção social e transferência de renda para que essas pessoas possam se manter com dignidade enquanto a recuperação econômica não acontece; precisamos garantir as condições mínimas de sobrevivência para as famílias”, diz. “É preciso também qualificar o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que também vem sendo desmontado.”

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