O crescimento da demanda no setor aéreo deve desacelerar nos próximos meses, segundo o presidente da Gol, Celso Ferrer, que também atua como piloto na companhia. Com o preço do combustível pressionando os custos das empresas, a tendência é de que isso seja repassado ao consumidor, freando o ritmo da recuperação, diz o executivo, que assumiu o comando da empresa neste mês. “O combustível representava 30% do custo antes (da alta do petróleo decorrente da guerra na Ucrânia). Hoje, está perto de 50%. Não tem como desassociar uma coisa da outra.”
O preço do querosene de aviação tem atrapalhado o desempenho da empresa na Bolsa também. As ações caíram 62% no acumulado do ano e estão em patamar inferior ao de março de 2020, começo da pandemia. Para tentar reverter essa tendência, Ferrer trabalha para tornar a Gol mais eficiente, acelerando a introdução do Boeing 737 Max na frota. O modelo gasta 15% menos de combustível do que um da geração anterior. A seguir, os principais trechos da entrevista:
A demanda está sendo retomada no País, mas a Gol é a empresa com menor recuperação na comparação com o pré-pandemia. Por quê?
É uma decisão nossa de disciplina de capacidade. Colocamos a oferta o mais próximo possível do que a gente acredita que seja a demanda. Teve um momento em que a concorrência começou a colocar muita oferta, e nós decidimos ter essa disciplina porque poderia ter um cenário de aumento de combustível. Decidimos ser conservadores nessa volta do crescimento da demanda. Em muitas crises, empresas que sobrevivem ao período mais difícil podem sofrer na recuperação. No nosso caso, com perda de poder aquisitivo do consumidor, economia inflacionária e pressão de custos, achamos melhor adotar uma postura conservadora.
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PREÇO DO COMBUSTÍVEL
Isso pode mudar em breve?
A gente sempre vai se adaptar. Se sentirmos que tem demanda e que o corporativo de fato voltou, aumentamos a capacidade. O corporativo é a demanda que apareceu em 2022 e que não tinha em 2021. Esse segmento ainda pode crescer mais. Se esse cliente voltar rapidamente, conseguimos nos adaptar. Temos mão de obra para isso. Mas a desaceleração desse crescimento (de demanda) parece mais compatível com o cenário que temos agora.
O sr. disse recentemente que o segundo semestre vai ter menos volatilidade. Por que acredita nisso?
O contexto desse primeiro semestre foi de maior escalada do petróleo. Quando digo que espero um segundo semestre menos volátil, é num patamar alto, porém esperamos que seja sem escalada. Trabalhamos com um cenário de combustível em um valor relativamente alto. Um dólar também em um patamar relativamente alto, mas sem essa mudança de patamar que veio por conta da guerra.
Quando haverá uma recuperação financeira? A alavancagem da empresa está alta.
Passamos por um momento em que houve uma retração muito forte da demanda. Isso deixou impactos no setor, exceto nas empresas que receberam ajuda governamental em dinheiro. No nosso caso, houve flexibilização de algumas regras importantes, mas não houve subsídio. Na crise, decidimos focar no caixa, imaginando que o mercado estaria fechado para captações. Também focamos em sair competitivos do ponto de vista de custo. Desde o primeiro momento, tínhamos certeza de que continuaria existindo a aviação, de que ela precisaria ser ainda mais eficiente e de que o mundo seria mais parecido com o modelo Gol. A gente precisa desalavancar a companhia aumentando a produção, a receita e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Ao mesmo tempo, precisa ter um cenário para isso.
Como vocês vão fazer isso?
A empresa tem uma estrutura de custo enxuta, ainda assim fizemos uma revisão. À medida que a gente aumenta a produção, os custos são diluídos. Temos também renovado a frota num ritmo acelerado. Pretendemos terminar o ano com 44 aeronaves 737 Max (aeronave mais econômica, que foi modificada pela Boeing após dois acidentes que causaram 346 mortes).
A ação da Gol acumula queda de 62% no ano e está em patamar inferior ao de abril de 2020. Como retomar a confiança do investidor?
Precisamos mostrar sucesso na gestão de capacidade, de que o setor vai ser capaz de manter a disciplina e fazer frente aos aumentos do combustível. Temos tentado mostrar que, mesmo com todos os desafios, vamos ajustar o quanto for necessário para que a companhia continue existindo. Mas não vemos um cenário de que tenha, por exemplo, de cortar a companhia pela metade. A Gol ainda planeja voar no segundo semestre mais do que no primeiro. Daqui a pouco, o investidor vai falar: “Eles conseguiram navegar”. O preço da ação reflete essa dúvida: se será possível repassar (o aumento ao cliente).
O preço das passagens aumentou muito, em parte por causa desse repasse. Isso vai continuar?
O combustível representava 30% do custo antes. Hoje, está perto de 50%. Não tem como desassociar uma coisa da outra. A gente vai acompanhar o movimento do combustível. É difícil dizer quanto vai ser o barril do petróleo. Se o preço do combustível se mantiver no patamar de hoje, provavelmente as tarifas vão continuar onde estão. Agora, para o segundo semestre, sabendo que o patamar do combustível é esse, nosso trabalho de previsão e de entender qual será a demanda fica mais fácil. Conseguimos preencher o avião o máximo possível.
A relação com o consumidor também está abalada. As reclamações dos clientes dispararam em 2021. Como recuperar a imagem?
Essa é a prioridade número um. Nosso cliente é o foco da minha gestão. Enfrentamos problemas no ano passado por conta de uma migração do sistema. De lá para cá, nossos indicadores de clientes tiveram um avanço significativo. Tudo que pode ser feito pelo app ou pelo site melhorou demais. Hoje, podemos falar que esses problemas estão resolvidos. Mas eu quero mais. Sou piloto. Hoje de manhã fiz um voo para Goiânia e voltei. Converso com os clientes justamente para entender o que está faltando. E essa é a agenda. (As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)
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