Depois de resgates seguidos de crianças em situação de abandono, maus-tratos e em condições insalubres em Campinas, o Conselho Tutelar indicou que mesmo a criação de um sexto Conselho, em andamento na cidade, ainda não é suficiente para atender a demanda de denúncias e garantir a proteção de crianças e adolescentes.
Desde o mês passado, seis crianças foram encontradas em condições de negligência em Campinas. Quatro delas, de 2,3,7 e 11 anos foram resgatadas sozinhas em casas sujas e sem alimento. Outros dois bebês, de 1 mês e 1 ano e 8 anos, foram retirados de uma casa que foi interditada por risco de queda. As duas crianças também foram levadas para o hospital após uma denúncia de abuso sexual.
Há dois anos, um caso de violência infantil em Campinas teve repercussão nacional, após um menino de 11 anos ser resgatado acorrentado dentro de um barril, nu e desnutrido. O pai, madrasta e filha da mulher foram presos pelo caso, que gerou questionamentos ao papel do Conselho Tutelar de Campinas.
Em entrevista à CBN Campinas, a conselheira da região Noroeste, Anália Esthf Lauras, citou a falta de equipes suficientes na cidade.
“Falta o dobro. Nesse momento a gente tem uma conquista, que é a criação do sexto Conselho, mas que ainda não é o suficiente para a dimensão, na proporcionalidade da cidade, e mais do que isso, não é suficiente para o papel que o Conselho deve executar”, afirmou.
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QUANTOS CONSELHEIROS?
Campinas dispõe atualmente de 25 conselheiros, que se dividem em cinco conselhos tutelares: um na Região Leste, um na Região Sul, um na Região Sudoeste, um na Região Norte e um na Região Noroeste. A criação do novo conselho na cidade foi sancionada em novembro do ano passado. No entanto, apesar da lei, os novos titulares serão eleitos em outubro de 2023 e tomarão posse somente em janeiro de 2024.
Com a criação dos cinco novos cargos, será constituído um sexto conselho tutelar, redividindo a abrangência territorial. O novo Conselho funcionará na região Sul da cidade.
DISCUTIR PROTEÇÃO
Apesar de confirmar o número insuficiente de conselheiros, Anália justificou a atuação do órgão e reforçou a falta de uma rede de proteção mais eficiente na cidade.
“Não dá para fazer essa discussão de quantos conselheiros têm, quantos faltam, sem discutir a rede de proteção. O Conselho Tutelar não se coloca no sistema de garantia de direitos como suprematista. Ele não é o pivô de toda a garantia de direitos, é uma parte. Essa parte tem o mesmo peso da falta de creches, de Caps infantil, de escolas, de rede de proteção básica da assistência social, de previdência social nesse sistema de garantia de direitos, na falta de direcionamento políticas públicas para a habitação”, afirmou.
AUMENTO NÃO É GARANTIA
Mesmo citando a necessidade de reforço nas equipes, a conselheira indicou que o aumento de profissionais não é suficiente para evitar que casos como os registrados na cidade sejam evitados, e que é preciso toda a população ter ciência da responsabilidade sobre os menores.
“A criação de 12 Conselhos Tutelares não vai garantir que casos como o do menino Eduardo (resgatado no barril) sejam evitados. A sociedade precisa entender que perante o Estatuto de Criança e Adolescente todo mundo tem responsabilidade sobre crianças e adolescentes. O Conselho Tutelar é uma parte desse sistema de garantia. Mas sem informações, sem a execução de todos os atores sociais na rede, no sistema de garantia de direitos, casos como o do menino Eduardo vão continuar acontecendo”, disse.
NECESSIDADE DE APOIO DA COMUNIDADE
Para evitar casos de violência, a conselheira ressalta a importância de denúncias e atuação das pessoas que têm conhecimento de casos de negligência envolvendo crianças e adolescentes.
“A família tem responsabilidade sobre criança e adolescente e a sociedade, a comunidade em geral, vizinhos, educação, saúde, assistência, todos. O papel do Conselho não é de fiscalizar menores dentro de suas casas. Não saímos batendo de porta em porta para perguntar como a criança e adolescente está, em que condição está vivendo. O papel é zelar pelo cumprimento dos direitos. O Conselho atua quando é provocado, quando existe uma denúncia ou suspeita de violação de direitos”, explicou.
Anália reforçou que sem as denúncias o conselho não consegue identificar todos os casos.
E COMO DENUNCIAR?
“Essas informações podem chegar pelo disk 100, que a comunidade pode fazer de forma anônima, a família pode procurar o Conselho Tutelar e trazer essa informação pessoalmente. Podem procurar os serviços públicos e registrarem essas denúncias”, indicou.
NEGLIGÊNCIA DO PODER PÚBLICO
Em meio os questionamentos sobre a atuação do Conselho Tutelar em Campinas, Anália criticou a falta de serviços de assistência na cidade, que também são essenciais para garantir proteção e evitar abandono dos menores.
“Hoje o maior violador de direitos é o poder público. Então falar de superar negligência e evitar casos como os do menino Eduardo ou desses apareceram recentemente, é falar em fortalecer a proteção básica na primeira infância”, reforçou.
Segundo ela, a Prefeitura e o Conselho conversam entre si, com a contribuição do conselho em questionar, cobrar, e indicar a necessidade de surgimento de políticas públicas. No entanto, poucas ações são realizadas.
“Isso pouco se avança. Então, assim, falar na ampliação do Conselho, nós precisamos falar da ampliação de toda essa rede. Hoje nós já temos a informação de que na região Sul, aonde vai ser criado esses conselhos, serão aumentados alguns serviços. Um exemplo que eu dou é o próprio Creas. Vai ser ampliado a oferta de vagas na região Sul, mas ela não vai acabar com a fila de espera”.
E O QUE DIZ A PREFEITURA?
Procurada, a Prefeitura de Campinas informou que vem empreendendo esforços para ampliar o número de Conselhos Tutelares em Campinas. Veja a nota abaixo.
“A secretaria municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos destaca que interage continuamente com o Conselho Tutelar no sentido de proporcionar condições apropriadas para o desempenho de suas funções e que está aberta a futuras ampliações desse importante órgão de proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Há de se destacar, entretanto, que o Conselho Tutelar faz parte de uma rede mais ampla de amparo à criança e ao adolescente, que inclui o Departamento de Operações de Assistência Social, o Departamento de Gestão da Política dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional e, de modo mais difuso também, nos Departamentos de Segurança Alimentar e Nutricional e de Direitos Humanos.
O Departamento de Operações de Assistência Social, por meio da Coordenadoria Geral de Proteção Social Especial, desenvolve a política de enfrentamento ao trabalho infantil, assim como mantém uma Casa de Passagem, sete abrigos, 16 Casas Lares para crianças e adolescentes, uma Casa Lar para adolescentes grávidas e/ou com filhos e dois serviços de Acolhimento em famílias acolhedoras. No total, o município tem 410 vagas para acolhimento de crianças e adolescentes.
O mesmo departamento Operações de Assistência Social, por meio da Coordenadoria Setorial de Proteção Social Básica, mantém 13 CRAS no município cujos propósitos, entre outras atribuições, são o de prevenção de situação de riscos e a diminuição dos índices de situações de vulnerabilidade de indivíduos e famílias. Neste contexto, há de se destacar inclusive a inauguração do Cras Laudelina, ocorrida em abril de 2020.
O Departamento de Gestão da Política dos Direitos da Pessoa com Deficiência está à frente este ano da implantação de cinco parques inclusivos para crianças com deficiência nas cinco regiões da cidade.
Além dessas providências, a Secretaria destaca que desenvolveu as seguintes ações para evitar situações extremas de violência contra crianças e adolescentes:
1. Capacitação das equipes de trabalho da secretaria para o atendimento de casos de violência contra crianças e adolescentes
2. Criação de protocolo que agiliza o atendimento de situações de violência e avaliação de casos
3. Fortalecimento de parceria com a Secretaria Municipal de Saúde para identificar casos de violência
4. Construção de indicadores para avaliar situações de risco (dados sob sigilo)
5. Treinamento de servidores no Sisnov (Sistema de Notificação de Violências), para identificar situações de violência
6. Capacitação de Conselheiros Tutelares para lidar com situações de violência, em parceria com o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente
7. Criação de Grupo de Trabalho (GT) das situações de média e alta complexidade para aprimorar o fluxo de trabalho
Administração Municipal ainda ressalta que é sensível às demandas sociais e mantém continuamente o diálogo com as autoridades do Ministério Público e da sociedade como um todo, com vistas a aperfeiçoar a qualidade dos serviços e políticas públicas em Campinas”.