A ancestralidade, seja europeia, africana, asiática ou indígena, é um conhecido fator para prever o tipo de câncer de mama mais provável de ocorrer em uma certa população. No entanto, em países miscigenados como o Brasil, apenas a cor da pele não é suficiente para determinar esse fator de risco. Essa foi a conclusão de um estudo publicado na revista ‘Clinical Breast Cancer’ por pesquisadores do Hospital de Amor de Barretos.
O grupo realizou a primeira avaliação de ancestralidade de pacientes com câncer de mama, nos distintos subtipos moleculares, com base em marcadores genéticos de ancestralidade especialmente selecionados para a população geral brasileira. Esse tipo de análise é importante para definir se a frequência desses subtipos de tumores se associa com a ancestralidade genética das pacientes.
“Os resultados apontam para a necessidade de realizar exames anuais em populações de ascendência africana, predominante no Norte e Nordeste do país. Além dos fatores socioeconômicos, que podem influenciar o prognóstico da doença nessa população, observamos uma maior proporção de ancestralidade africana em mulheres com o subtipo molecular triplo-negativo, que é sabidamente mais agressivo, multiplica-se mais rápido e tem menos opções de tratamento”, afirmou René Aloisio da Costa Vieira, pesquisador do Hospital de Amor e um dos coordenadores do estudo, financiado pela Fapesp.
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Ele divide a primeira autoria do trabalho com Débora Sant’Anna, que teve bolsa de treinamento técnico da Fapesp.
No estudo, realizado em mais de 1 mil pacientes com câncer de mama de diferentes regiões do país, observou-se que a ancestralidade avaliada geneticamente foi fator associado com a classificação molecular do câncer.
“Isso mostra como a cor da pele não é determinante para o tipo de tumor, mas, sim, a ancestralidade”, comenta Rui Manuel Reis, coordenador do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) da mesma instituição.
Prevenção e tratamento
Em 2016, os pesquisadores haviam analisado pacientes com câncer de mama hereditário e não encontraram relação entre ancestralidade e as mutações relacionadas a esse subtipo de tumor.
Posteriormente, o grupo correlacionou a ancestralidade dos brasileiros com outros tumores. Em 2019, os cientistas demonstraram associação entre uma mutação de sensibilidade a droga presente em tumores de pulmão e pessoas com ascendência asiática.
No ano seguinte, outro trabalho mostrou que pessoas de ascendência africana têm diagnosticado câncer colorretal em idade mais precoce do que pacientes de ancestralidades europeia e asiática.
Amostras
No trabalho atual, foram analisadas 1.127 amostras de tumores de pacientes nascidas nas cinco regiões brasileiras que passaram pelo Hospital de Amor, com uma predominância maior do Sudeste (72%). Foram 7,3% das pacientes da região Norte, 1,8% do Nordeste e 0,9% do Sul.
Seguindo o padrão de autodeclaração de cor ou raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria se declarava branca (77,9%), seguidas de pardas (17,4%) e negras (4,1%). Amarelas (asiáticas) e indígenas somaram 0,5%.
Quanto ao tipo de tumor, a maioria (64,8%) era luminal Her-2 negativo e 19,1% luminal Her-2 positivo, que, além de quimioterapia, contam com tratamento hormonal como opção terapêutica. Já 16,2% tinham tumores triplo-negativos, que se multiplicam mais rápido, são associados a um pior prognóstico e não contam com terapia hormonal.
“De maneira geral, a quimioterapia se associa a cerca de 12% de aumento da sobrevida, independente do subtipo molecular. No caso dos luminais, existe o tratamento hormonal, que eleva a sobrevida em cerca de 30%, mas não tem efetividade nos triplos-negativos”, explica Vieira.
Ainda que cada mulher apresentasse uma ancestralidade principal, os pesquisadores observaram uma considerável mistura na composição genética, com a maioria sendo europeia, seguida de africana, ameríndia e asiática.
Foi encontrada uma associação significativa entre o subtipo do tumor e a região geográfica onde vivia a paciente, com 20% dos triplos-negativos sendo mais frequentes na região Nordeste, enquanto 15,7% dos HER+, outro subtipo de prognóstico pior do que os luminais, sendo mais frequentes na região Norte.
Uma alta proporção de ancestralidade africana foi observada no Nordeste (52,6%) e Norte (51,3%), enquanto no Sul (60%) e no Sudeste (38%) prevaleceu uma proporção maior de ancestralidade europeia.
Em todas as regiões, mulheres com menos de 40 anos tinham uma maior frequência de tumores triplo-negativos (22,3%) e mulheres com mais de 74 anos apresentavam mais luminal HER-2 negativo (6,2%). Ao mesmo tempo, a fase inicial do diagnóstico foi mais associada com esse subtipo (21,3%), enquanto pacientes com metástase tinham mais o subtipo HER-2 positivo (13,3%) e triplo-negativo (11,2%).
A ancestralidade europeia foi mais frequentemente associada com o tumor luminal HER-2 negativo (36,3%), enquanto a africana foi relacionada tanto com a versão positiva desse subtipo (HER-2+) (43,7%) quanto com o triplo-negativo (42,2%).
Com os resultados, é possível indicar uma maior regularidade de exames de rotina, como mamografia, no Norte e Nordeste do Brasil. “Os dois anos indicados atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS) podem ser muito tempo para quem estiver com um tumor triplo-negativo, que duplica de tamanho com muita rapidez. O ideal seriam exames anuais”, encerra Vieira.