SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 deixou crianças em fase de desenvolvimento da fala longe do convívio escolar, de encontros com familiares, amigos, e experiências de lazer. Com isso, suas possibilidades de se expressar foram minguando.
Assim, pais começaram a notar atrasos no desenvolvimento da fala dos pequenos, enquanto fonoaudiólogos viram o número de queixas desse tipo crescer.
Foi o que observou Mônica Karl da Silva, fonoaudióloga e conselheira do CFFa (Conselho Federal de Fonoaudiologia). A profissional viu a demanda pelo tratamento aumentar com a chegada do isolamento social.
“Eu observei um aumento bem grande. Uma procura dos pais com crianças de um ano e sete meses, dois anos e oito meses, três, cinco anos. Crianças que não estavam com a linguagem desenvolvida e consequentemente com a fala também comprometida”, conta.
Crianças pequenas são as principais pacientes. E isso acontece porque elas deixaram de ter contato com outras crianças, diminuíram suas experiências fora de casa e, de repente, se viram cercadas apenas pelos familiares mais próximos.
“As crianças deixaram de ter contato com crianças no playground, na escola, ter momentos de socialização, momentos de trocas entre elas”, diz a conselheira.
Dificuldade para formar frases, necessidade de evitar situações de comunicação e obstáculos para ser entendidas por adultos são algumas das situações pelas quais crianças com atrasos no desenvolvimento da fala passam.
Esses foram alguns dos problemas que fizeram Yolanda Minguez de Juan, 45, mãe da Maria Victoria, na época com três anos, procurar ajuda profissional. A psicóloga conseguia entender o que sua filha dizia, mas precisava traduzir para que outras pessoas pudessem compreender.
A falta de convívio social com outras crianças, além de familiares e amigos, foram determinantes para que a filha desenvolvesse atraso no desenvolvimento da fala.
“Foi uma experiência transformadora para o desenvolvimento da linguagem, ela conquistou muitas coisas que antes eram difíceis de expressar”, disse. Em pouco menos de um ano, Victoria ganhou alta da terapia fonoaudiológica, um prazo considerado rápido pelos profissionais da área.
A fonoaudióloga Camila Barboza, mestre pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, foi a responsável pelo seu atendimento. Ela também notou aumento na procura pelo serviço. A profissional trabalha principalmente com pacientes com atrasos na linguagem, mas lembra que o isolamento pode ser um gatilho para problemas mais graves.
Além destes casos, há também os transtornos de linguagem, que são dificuldades de comunicação que se apresentam de forma persistente, atrapalhando o desenvolvimento da fala e da linguagem.
Crianças que já tinham predisposição a ter esse tipo de transtorno podem ter desenvolvido a patologia mais cedo e outras, que não necessariamente desenvolveriam, podem vir a desenvolver, afirma Barboza. A fonoaudióloga explica que crianças superam atrasos com curtos períodos de terapia, mas aquelas com transtornos precisam de mais tempo de suporte terapêutico.
“A possibilidade do transtorno existe porque é uma privação de estímulo muito grande. E dependendo da faixa etária, é uma privação de estímulo em faixas etárias de ‘boom’ da linguagem”, diz. “E tudo isso é muito novo, nós ainda não sabemos o que esse isolamento vai causar a longo prazo. Não há estudos.”
A necessidade do distanciamento social para diminuir a disseminação do coronavírus, porém, era mais importante do manter as crianças em convívio para evitar possíveis atrasos em seu desenvolvimento, avalia o fonoaudiólogo Jason Gomes, vice-presidente da Crefono 2 (Conselho Regional de Fonoaudiologia de São Paulo) e professor da Uninove (Universidade Nove de Julho).
“Quando nós temos atrasos no desenvolvimento na fase da infância, nós conseguimos recuperar. Com o tratamento adequado, em algum tempo a criança vai estar se comunicando da mesma forma que seus amigos e aquela situação do passado vai ficar para trás”, explica.
É importante, porém, que assim que os pais notarem irregularidades na fala ou dificuldade dos filhos para se comunicarem, procurem ajuda profissional antes de recorrerem a prognósticos na internet que, em quase todas as vezes, não refletem a realidade enfrentada pela criança.
“Os profissionais estão preparados não somente para desenvolver as crianças mas também para fazer um trabalho de acolhimento com os pais, que às vezes acham que seus filhos têm problemas graves”, diz Gomes.
Foi o caso de Carolina Branco Carneiro, 36, mãe da Manuela, 2. Mesmo antes da pandemia a administradora já notava que a filha estava com dificuldade de formar frases e palavras. Com a chegada do isolamento social, os problemas para se comunicar e até para fazer coisas mais simples como identificar cores aumentaram, fazendo com que Carneiro chegasse a pensar que Manuela pudesse ter algo mais grave.
“Eu não imaginava que uma pandemia e toda essa restrição fosse capaz de afetar tanto o desenvolvimento de uma criança”, conta.
A avaliação profissional a tranquilizou. Em cerca de três meses Manuela conseguiu formar frases, palavras e identificar cores. A expectativa dos pais é que com a volta às aulas e a flexibilização das medidas de distanciamento social, a menina possa ter mais experiências e, aliado ao tratamento terapêutico, seu desenvolvimento da fala chegue ao nível de crianças da sua idade.
“O retorno para escola é superpositivo porque ela tem interação com outros amigos e outros estímulos. E agora também com as medidas mais brandas nós conseguimos viajar e sair, eu vejo uma outra Manu.”
Diante da possibilidade de novos períodos de isolamento social ou até que a vida volte ao normal, a fonoaudióloga clínica Heloísa de Oliveira Macedo, conselheira do Crefono 2, diz que há medidas que os pais podem tomar para estimular a fala das crianças.
A primeira delas é reservar as refeições para ser um tempo de qualidade em família, onde os pais e filhos podem conversar e ter trocas sobre diversos assuntos. Macedo também pondera que é necessário afastar crianças de até dois anos de qualquer tipo de tela, como televisores, computadores, celulares e tablets. A fonoaudióloga explica que estes aparelhos eletrônicos são prejudiciais para o desenvolvimento dos pequenos.
“Se parecer impossível, privilegie a televisão, que é uma tela maior, e o adulto que está por perto pode olhar e pode participar com a criança daquilo a que ela está assistindo, além de interagir a partir daquilo”, diz, sugerindo que mesmo programas de TV podem ser estímulos, se transformados depois em uma conversa com os pais.