A entrada de vereadores de esquerda na Câmara Municipal de São Carlos, em 2021, retirou da “zona de conforto” parlamentares da ala conservadora – apoiadores do governo Airton Garcia (PSL) e do presidente Jair Bolsonaro.
Em menos de 100 dias, o conflito de opiniões rendeu discussões acaloradas e denúncia por quebra de decoro na Comissão de Ética (confira abaixo).
Adeus do guerreiro solitário, chegada da oposição e o preenchimento de espaços vazios
Na legislatura passada (2017-2020), o que se via era o ex-vereador Leandro Guerreiro (Patriota) brigando contra um inimigo “invisível”.
Os vereadores mais alinhados às pautas progressistas pouco entravam em discussões ou rebatiam os discursos do representante bolsonarista na Câmara Municipal.
A partir desta nova legislatura, entretanto, a entrada de Djalma Nery (PSOL), Raquel Auxiliadora (PT) e Professora Neusa (Cidadania) mudou esse cenário.
A convergência de opiniões sobre a condução da pandemia, oposição ao presidente Bolsonaro e pautas do campo progressista deram origem a um grupo novo no Edifício Euclides da Cunha – o que incomodou parlamentares conservadores.
Guerreiro tentou alçar voos mais altos, foi candidato a prefeito e acabou derrotado nas urnas por um dos seus padrinhos políticos, o prefeito Airton Garcia.
O espaço deixado por ele, porém, logo foi ocupado. Sem conseguir a reeleição direta, Moisés Lazarine recebeu 886 votos e ficou como primeiro suplente do PSL.
Para a sua sorte, o vereador reeleito Paraná Filho (PSL) decidiu assumir o cargo de secretário de Agricultura e Abastecimento, dando a ele a oportunidade de seguir na Casa de Leis.
Outro que vem buscando preencher o espaço deixado por Leandro é o comerciante Sérgio Rocha (PTB).
Em seu terceiro mandato na Casa de Leis, o vereador nunca escondeu ser um representante da direita e da ala conservadora. Porém, o cenário de pandemia, fechamento do comércio e os constantes ataques da oposição contra o prefeito Airton Garcia e presidente Bolsonaro fizeram Sérgio Rocha ‘vestir a armadura’ e ir para o embate.
Placa Marielle Franco e denúncia para Comissão de Ética
O primeiro confronto entre esses políticos de pensamentos totalmente opostos ocorreu na votação de um projeto de lei para homenagear a ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), morta a tiros em março de 2018, dando o nome dela para a Rua 15 do Loteamento Vida Nova São Carlos.
A proposta foi rejeitada em votação apertada, 10 a 9, mas o que chamou a atenção foram os ataques direcionados à Marielle. Clique aqui para ler a matéria sobre a votação do projeto de lei.
Indignado com as falas de Moisés Lazarine (PSL) e Sérgio Rocha (PTB), o vereador Djalma Nery os denunciou à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de São Carlos.
“Os fatos desta denúncia têm origem devido a prática de ofensas morais praticadas nas dependências da Câmara Municipal de São Carlos, por meio de informações falsas, não comprováveis, incompletas ou distorcidas e que foram verbalizadas pelos senhores vereadores Moisés Lazarine (PSL) e Sérgio Rocha (PTB) na ocasião em que tentaram se aproveitar da boa-fé da população a fim de induzi-la a juízos que não correspondem à verdade dos fatos (…)”, consta na denúncia, que ainda será apreciada pela comissão.
Usando o tempo do partido na sessão de ontem, o vereador Sérgio Rocha disse que nunca teve problemas com outros vereadores. Também afirmou sempre ter respeitado o Djalma Nery e a Professora Neusa, mas reafirmou que vai seguir defendendo a “família”. “Ideologia de gênero, que vem contra nossas crianças, contra a família, eu vou me posicionar contra sim”.
“Eu estou sabendo, ainda não fui notificado, que tem um processo na casa, no conselho de ética, para que casse o mandato do vereador Sérgio Rocha e o do vereador Lazarine. Eu nunca tive processo nos meus mandatos de vereador e nem fora. Para mim é uma honra, vai ser um privilégio, vai me dar munição para a gente discutir e debater nesses quatro anos os projetos que vão vir contra a nossa cidade e as nossas famílias”, complementou Sérgio Rocha.
Tratamento precoce e “kit Covid”
A prescrição de medicamentos do chamado “kit Covid” também já provocou diversos debates na Câmara Municipal entre os campos da esquerda e direita na Câmara Municipal.
Na sessão de terça-feira (6), o vereador Moisés Lazarine chegou a afirmar que alguns vereadores da cidade seguem lideranças políticas que são “opositores da vida”.
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Na ânsia por defender seus ideais conservadores, o vereador suplente vem usando todos os espaços de fala previstos no regimento interno.
Não satisfeito em usar apenas o seu tempo, Lazarine chegou a interromper duas vezes a fala do presidente da Câmara Municipal, Roselei Françoso (MDB), na sessão de ontem, para se manifestar contra um pedido de resposta do vereador Djalma Nery, que se sentiu ofendido com uma fala do vereador Sérgio Rocha (PTB).
As interrupções irritaram Roselei, que repreendeu o parlamentar: “Já está cortada sua fala e eu peço que o senhor respeite a presidência. Você foi o vereador que mais falou na tarde hoje (…). Não estou concedendo a questão de ordem neste momento, porque eu quero ouvir a fala do vereador [Djalma Nery] e entender qual o expediente que ele me solicitou”.
Após conseguir ouvir a demanda de Djalma, o presidente da Câmara Municipal deu um conselho para Moisés Lazarine: “Nós precisamos desarmar as metralhadoras. Não é o momento de estar armado para tudo. Eu estava tentando dialogar com o vereador Djalma e o senhor, de forma truculenta, interveio na minha fala. Eu fui obrigado a cortar a fala de vossa excelência, atitude esta que não pretendo ter na minha condução dos trabalhos aqui”, falava Roselei, quando foi novamente interrompido por Lazarine: “Eu não concordo, senhor presidente”.
“O senhor novamente está me cortando. Eu peço que o senhor confie nessa presidência, serei democrático sempre que for necessário. Tenho um compromisso de caminhar lado a lado, independentemente de cor partidária”, concluiu Roselei Françoso, encerrando mais uma sessão marcada por divergências entre políticos de lados opostos.