A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (30) o Projeto de Lei 490/2007, chamado PL do marco temporal. Por 283 votos a 155, o plenário da Casa impôs uma derrota ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pelo marco temporal, uma terra indígena só poderia ser demarcada se fosse comprovado que os indígenas estavam no local na data da promulgação da Constituição – no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora do local nesta data ou depois dela não poderia pedir a demarcação.
O texto, que será ainda analisado pelo Senado, era uma demanda dos ruralistas e foi votado sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas. Governistas já falam em recorrer à Justiça contra a votação em que saíram derrotados.
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Na prática, se promulgada, a lei vai paralisar todos os processos de demarcação em andamento. Há pelo menos 303 em tramitação. Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas homologadas. Elas somam 106 milhões de hectares e têm cerca de 466 mil indígenas.
Com a aprovação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a cúpula da Casa pretendiam passar um recado ao Supremo Tribunal Federal. A Corte retomará um julgamento sobre demarcação de terras indígenas na próxima semana.
Os deputados favoráveis à proposta argumentam que ela foi construída à luz do julgamento do Supremo sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. Na ocasião, o marco temporal foi considerado. Para eles, as condicionantes daquele julgamento devem ser tratados como paradigma.
Os contrários ao texto, porém, ressaltam que o debate não foi esgotado pelo Supremo e que há diversos precedentes que afirmam que o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol são aplicáveis somente para a demarcação daquela terra indígena específica.
CONTATO COM COMUNIDADES ISOLADAS
O Projeto de Lei 490/2007, que torna necessária a ocupação de uma terra indígena até 5 de outubro de 1988 para que ela possa ser demarcada, inclui outros pontos polêmicos que contribuíram para dividir o Congresso.
Embora a chamada tese do marco temporal seja o principal item, o PL altera políticas indigenistas adotadas há décadas no país. Uma delas reacende a possibilidade de contato com povos que vivem em isolamento voluntário, prática que marcou a relação da ditadura com indígenas.
A proposta implementa também a possibilidade de contato com indígenas isolados para ações de “utilidade pública”, inclusive por meio de “entidades particulares, nacionais ou internacionais”, contratadas pelo Estado.
O texto não especifica quais seriam as atividades de utilidade pública admitidas. Por se tratar de expressão genérica, parlamentares e movimentos contrários ao projeto temiam um contato forçado sob a justificativa de realização de obras e até de missões religiosas em localidades habitadas por povos sem contato com a sociedade do entorno.
ESTRATÉGIAS DE ATRAÇÃO E CONTATO
Na ditadura, milhares de indígenas morreram em consequência da estratégia de atração e contato adotada para viabilizar estradas e hidrelétricas. Entre os casos mais simbólicos estão o contato com os panará para a construção da rodovia Cuiabá-Santarém, em meados dos anos 1970, e com os uaimiri-atroari, na obra da rodovia Manaus-Boa Vista.
Estima-se que morreram mais de dois terços desses grupos. A mortalidade também marcou os grupos awá, no Maranhão, durante a construção da ferrovia Carajás, nas décadas de 1970 e 1980.
*Informações de Vinícius Valfré, com colaboração.
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