SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Projetos de lei apresentados por parlamentares com a finalidade de reduzir o poder que o presidente da Câmara dos Deputados tem para segurar pedidos de impeachment do presidente da República estão há anos em discussão sem apoio suficiente para avançar.
Pelo menos oito propostas foram apresentadas com esse objetivo desde 2015, ano em que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), pôs em marcha uma das denúncias contra a presidente Dilma Rousseff (PT), que levou ao seu afastamento do cargo poucos meses depois, em 2016.
Um dos projetos, que fixava prazo de 15 dias para que o presidente da Câmara despachasse pedidos de impeachment, foi arquivado há dois anos. Os demais continuam em discussão nas comissões da Câmara, sem perspectiva de avançar e chegar ao plenário, conforme levantamento feito pela Folha.
O projeto mais recente foi apresentado em maio por Henrique Fontana (PT-RS), introduzindo na legislação dispositivos que permitiriam a um grupo formado por 171 deputados, um terço dos membros da Câmara, submeter diretamente à avaliação do plenário denúncias contra o presidente da República.
De acordo com a proposta, se o requerimento fosse aprovado por 257 votos, isto é, metade mais um dos 513 deputados, o presidente da Câmara seria obrigado a instalar a comissão especial encarregada de examinar a denúncia, etapa inicial necessária para abertura de um processo de impeachment.
“Esse poder imenso na mão do presidente da Câmara é uma distorção”, diz Fontana. Sua proposta mantém as demais etapas do rito do impeachment sem alteração.
Em caso de parecer favorável da comissão especial, são necessários 342 votos para dar início ao processo e afastar o presidente.
Cidadãos e organizações da sociedade civil apresentaram até agora 125 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), segundo a Agência Pública. Seis foram arquivados, mas os outros seguem sem definição porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se recusa a encaminhá-los.
A lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade e as regras para processos de impeachment, diz que cabe ao presidente da Câmara receber denúncias contra o presidente da República e arquivá-las ou encaminhá-las, mas não estabelece prazo para ele tomar a decisão.
Líder do centrão e principal aliado de Bolsonaro no Congresso, Lira diz que não haveria condições para o impeachment hoje, por falta de apoio na sociedade e no plenário da Câmara. Seu antecessor, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), também segurou as denúncias apresentadas contra Bolsonaro.
Um dos projetos em tramitação na Câmara, que estabelece prazo de 30 dias para o presidente da Câmara decidir o que fazer com as petições, chegou a ser levado por Maia ao plenário, mas nunca foi votado.
“Não houve consenso entre os líderes partidários”, diz Denis Bezerra (PSB-CE), autor da iniciativa.
Em abril, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) apresentou mandado de injunção ao STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir que a corte estabelecesse um prazo para o presidente da Câmara. A ministra Cármen Lúcia negou seguimento à ação, apontando razões processuais para descartar o pedido.
Segundo ela, as regras do processo de impeachment estão definidas pela legislação e não há nada na Constituição que exija a fixação de um prazo para o presidente da Câmara.
O estabelecimento do prazo pelo tribunal representaria uma interferência indevida no Legislativo, acrescentou Cármen.
Na quinta-feira (1°), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) impetraram mandado de segurança no Supremo com o mesmo objetivo.
Na ação, questionam a omissão de Arthur Lira ao se recusar a cumprir as formalidades do exame inicial dos pedidos de impeachment.
No ano passado, o STF rejeitou pedido de um advogado de Brasília para que o Senado fosse obrigado a dar andamento a um pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes. A lei atribui ao presidente do Senado a decisão inicial sobre denúncias contra os ministros do tribunal.
Segundo o levantamento da Folha, deputados federais apresentaram 74 propostas de mudança na legislação do impeachment desde o fim da ditadura militar (1964-1985), incluindo projetos de alteração da lei de 1950 e do Regimento Interno da Câmara e emendas à Constituição de 1988.
O objetivo principal da maioria das propostas é ampliar a lista de crimes de responsabilidade que podem levar à abertura de um processo. Quase nenhuma chegou ao plenário, e 26 foram arquivadas, em geral por não terem sido apreciadas antes do fim da legislatura em que começaram a tramitar.
Dos 74 projetos, 39 foram apresentados nos últimos seis anos, período que coincide com o afastamento de Dilma Rousseff e a avalanche de denúncias contra Bolsonaro. Projetos do início da década de 1990, quando Fernando Collor foi alvo de impeachment, ainda tramitam na Câmara.
“O sistema torna o presidente da República refém do presidente da Câmara”, afirma o ex-deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
“Com o poder que ele tem de decidir sozinho o que fazer com os pedidos de impeachment, não há qualquer possibilidade de recurso se ele não fizer nada, como acontece hoje.”
A legislação só permite recurso ao plenário em caso de arquivamento de uma denúncia.
Em 2015, quando Eduardo Cunha deflagrou o impeachment de Dilma, Teixeira apresentou um projeto para prever possibilidade de recurso também em caso de aceitação de denúncia. A proposta nunca foi a votação.
Só 2 dos 74 projetos viraram lei. O primeiro inscreveu no Regimento Interno da Câmara a exigência de votação aberta para abertura dos processos de impeachment.
O outro, de iniciativa do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), acrescentou à lista de crimes de responsabilidade do presidente as violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000.
Projetos que têm ministros do Supremo como alvo também não têm avançado.
Em maio deste ano, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara rejeitou proposta do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) que permitiria processar integrantes do tribunal acusados de usurpar competências do Legislativo.
Um projeto apresentado em 2008 pelo hoje chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, que se licenciou do mandato de deputado para ser ministro de Bolsonaro, também está parado na Câmara.
Ele inclui entre os crimes de responsabilidade do presidente a falta de liberação de verbas para emendas parlamentares e seu uso para influir em votações no Congresso.