9 de maio de 2024
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Educa mais cast

Intérprete educacional revela seu papel dentro da sala de aula

Se conseguíssemos tirar o medo da sociedade de se relacionar com a pessoa surda, já diminuiríamos esse obstáculo na inclusão, afirma Amanda Souza

A curiosidade da intérprete Amanda Cristina dos Santos Souza pela Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi despertada quando uma pessoa surda passou a fazer parte da sua vida.  

“Minha vontade de aprender LIBRAS surgiu depois que conheci um garotinho surdo na igreja. Naquela época, minha filha era apenas um bebê e ele gostava de pegá-la no colo, então passou a ficar ao meu lado na missa. Foi só aí que vi que era surdo e que não compreendia nada do que o padre falava”, recorda ela sobre a dificuldade que passou a observar não só no menino, como nas pessoas de uma comunidade surda que encontrou na própria igreja. 

Hoje, aquele garoto que inspirou Amanda a aprender a língua de sinais é seu colega de trabalho. Enquanto ele atua como instrutor de LIBRAS na Escola Municipal de Educação de Jovens e Adultos (EMEJA) “Austero Mangerona”, Amanda é intérprete educacional na Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) “Professora Dalila Galli”, ambas da rede municipal de ensino de São Carlos.

A intérprete Amanda durante evento da SME de São Carlos. Crédito: Arquivo Pessoal.
A intérprete Amanda durante evento da SME de São Carlos. Crédito: Arquivo Pessoal.

 

Em um dos breves momentos em que teve uma pausa na rotina atribulada, Amanda conversou com a equipe do EducaMaisCast, projeto especial da Secretaria Municipal de Educação (SME), contando um pouco sobre sua profissão e, principalmente, esclarecer os desafios que enfrenta para que uma limitação auditiva não se transforme em obstáculo social para seus alunos. 

Como é a rotina de um intérprete de LIBRAS na escola? 

O trabalho de um intérprete educacional vai além de uma simples interpretação; somos co-educadores dos alunos surdos. É um trabalho que exige, principalmente, atualização nos sinais usados dentro desse contexto e a percepção da compreensão do estudante. Na escola onde atuo, ficamos em sala das 7h às 12h15, interpretando simultaneamente o que o professor regente está ensinando à turma. No período da tarde, nos debruçamos entre estudos, preparação de materiais e discussão entre equipe de intérpretes, esclarecendo e tirando dúvidas entre nós. 

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Para quais idades você já interpretou e quais os desafios de cada faixa etária? 

Interpretei para crianças, adolescentes e adultos, com e sem deficiência associada. Os desafios variam muito dependendo da condição de cada surdo. Para trabalhar com crianças, normalmente é preciso fazer mais uso das expressões faciais, estar mais dentro do contexto, como se atuasse num teatro. Assim, prende-se um pouco mais a atenção da criança. Já os adolescentes, alguns são mais acanhados, dependendo o assunto; outras vezes, são mais desavergonhados, brincam, tiram sarro… comportamento típico de adolescentes. Nessa fase, acredito que fazê-los entender que, apesar de uma relação amigável, não somos amigos, é trabalhoso, pois, muitas vezes, nos tornamos confidentes; eles trazem algumas situações, pedindo conselhos, chegam com dúvidas. A fase adulta costuma ser mais tranquila, exceto quando o surdo não desenvolveu bem a língua portuguesa, momento em que precisamos usar alguns termos mais simples e esclarecer significados. 

Linguisticamente, quais as principais diferenças de interpretar para crianças e adultos? 

A diferença entre eles é bem característica. Enquanto, ao interpretar para crianças, você deve se colocar próximo ao seu mundo, com expressões corporais e faciais, sinais mais simples e usuais do dia a dia, para o adulto, é possível usar sinais mais técnicos, existindo uma postura mais séria do profissional. Para eles, é como interpretar de igual para igual. 

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê o ensino bilingue LIBRAS-português. Mas, depois da fase de alfabetização, a LIBRAS se torna suporte para as demais matérias do currículo escolar. Como é interpretar conteúdos não-linguísticos, como matemática e geografia?

Sou suspeita nessa questão, porque comecei a gostar de matemática após começar a interpretar essa disciplina. Acho ela mágica! Interpretar matemática é como viajar em um mundo imaginário; é onde o intérprete sai do seu “posto” perto do aluno e vai literalmente ao lado do professor; é trabalhar com cores, desenhos. E o mesmo acontece com a geografia. A diferença é que, enquanto na matemática usamos a lousa com desenhos e cores para cada pauta, em geografia usamos imagens, mapas, palavras-chaves… É desafiador e gratificante ao mesmo tempo.

A LIBRAS é constituída de sinais, que significam tanto letras, com os quais é possível descrever as palavras, como símbolos completos, significando nomes e coisas. Como se dá cada uso? 

A língua de sinais é composta por várias configurações de mãos, que são as formas que a mão toma para cada sinal. Com ela, podemos fazer o alfabeto, que usamos para nomear coisas e pessoas para as quais não foi criado um sinal específico. A partir dessas configurações, são feitos os sinais para cada objeto, local, pessoa, sentimento, verbo…. E somente a pessoa surda pode criar um sinal específico.

Crédito: Arquivo Pessoal
Crédito: Arquivo Pessoal

  

Pouca gente sabe, mas sinais são criados também para representar o nome de pessoas, sem que seja necessário soletrá-lo. Você pode contar um pouco sobre esse processo? 

Esses sinais específicos de cada pessoa estão relacionados às características dela. Portanto, eu (Amanda) tenho um sinal que representa a minha pessoa dentro da comunidade surda quando falarem sobre mim, usarão o meu sinal específico. Outra pessoa de mesmo nome terá um sinal diferente para representá-la, sendo um sinal relacionado a uma característica dela. Lembrando que quem “batiza” com um sinal a pessoa dentro da comunidade surda é apenas o surdo. 

Quanto tempo demorou para você dominar a LIBRAS? Você acha que é mais fácil ou mais difícil por ser ouvinte? 

Estudei tendo os surdos como professores por uns quatro a cinco meses até meu início com a interpretação. Tínhamos uma ouvinte na sala, a fonoaudióloga Michele Toso Cappellini, que ajudou muito também. Juntas, iniciamos o trabalho na igreja. Ser ouvinte ajuda, se seus professores forem ouvintes; sendo eles surdos, não faz muita diferença, pois você só terá dois caminhos: estudar ou estudar (risos). O problema de ser ouvinte é que você precisa treinar seu cérebro a pensar como surdo, o que significa outras regras, outra forma de raciocinar.

Infelizmente, é raro encontrar pessoas não-surdas que saibam LIBRAS. Esse cenário dificulta a inclusão de pessoas surdas? 

Realmente, somos um país majoritário da língua portuguesa falada. Se ao menos conseguíssemos tirar o “medo” da sociedade de se relacionar com a pessoa surda, fazendo com que fossem colocadas estratégias de comunicação mais em prática com ela, já diminuiríamos o tamanho desse obstáculo da inclusão. Por exemplo: costumo explicar, com o objetivo de auxiliar as pessoas ouvintes não usuárias da língua de sinais, que não é necessário elevar o tom de voz ao falar com o surdo; e sim falar de frente, pausadamente e articulando bem a boca, visto que a maioria dos surdos é oralizada (faz boa leitura oro-facial). Além disso, mostrar (indicar) as coisas, escrever palavras-chaves… são dicas simples e que ajudam a diminuir a exclusão social.

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