No Jardim Monte Cristo, no Complexo OMG (Oziel, Monte Cristo e Gleba B), em Campinas, ocorre um fenômeno artístico bastante interessante. “Você sabia que aqui acontecem saraus artísticos aqui neste bar?”, perguntou a curadora de arte Andrea Aparecida.
A especialista referiu-se ao “Sarau Ocupação” que ocorre, de vez em quando, no “Bar da Rosinha”, pertencente à mãe, Balbina de Jesus. De acordo com ela, o Sarau é importante, pois o território carece de opções públicas que fomentem a arte.
“Não existe, por exemplo, no bairro, uma biblioteca pública. Não existe um espaço público que possa ser desenvolvido algum tipo de arte”,
explica.
Por isso, outros lugares do território são, constantemente, utilizados para promover alguma expressão: como o bar de Rosinha.
Balbina explicou que a festa é sempre aberta ao público e que ocorriam com frequência antes da pandemia de Covid-19, em 2020. “O primeiro, acho que tem uns 4 anos. E aí a gente fecha a rua, a EMDEC fecha e é tudo bem bacana”. Entre os eventos, há a presença de artistas da própria comunidade, com direito a microfone aberto.
“O pessoal vem e o microfone é aberto e aí tem hip hop e a pessoa pode falar à vontade”,
diz.
O último evento estava previsto para acontecer em 19 de novembro e deveria contar com visita guiada de Danilo Garcia e da própria Andrea Mendes, que fazem parte do projeto: “Ocupação Ocupação”, sobretudo uma virada do tempo impossibilitou o encontro.
Seja como for, Andrea ressalta a importância de eventos como este no território: “É a gente [própria população] que coloca um sarau dentro de uma comunidade e ofertamos esse tipo de cultura. É o rap. São os meninos do Oziel fazendo as batalhas de slam. Então, a maior reivindicação são os espaços de convívio coletivo”.
PROJETO ARTÍSTICO “OCUPAÇÃO OCUPAÇÃO”
Até dezembro de 2023, algumas fotografias e painéis chamaram a atenção de moradores do Jardim Monte Cristo. Essas são fotos em quadros colocados no próprio bairro. E elas estão em todos os lugares: estão na parede da creche; no quintal de uma residência; em um muro que, até então, não havia nada demais.
As obras fizeram parte de uma ocupação artística chamada “Dia que é Noite – Noite que é Dia”, realizado pela fotógrafa Isabela Senatore. A exposição, ao ar livre e gratuita para todos que tem um olhar cuidadoso, teve curadoria de Danilo Garcia e também de Andrea e fez parte do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo).
“Esse projeto mesmo, que colocamos na comunidade, em nenhum momento, eu imaginava que a Dona Ana ia dizer que é a primeira vez que se sentiu bonita, sabe? Então, raramente [alguém] externa e expressa uma frase dessas”,
revela Dea.
A exposição é uma representação poderosa, não apenas de uma beleza que, certamente, há em cada um dos moradores do Jardim Monte Cristo, mas também uma mensagem clara e efetiva de que a arte pode florescer nas mais longínquas regiões da cidade. “E eu tinha um propósito: que era levar a arte para aqueles que não tinham”.
BATALHAS DE RIMA
Carlos Eduardo França, ou, simplesmente, Cadu, tem orgulho do que faz no Jardim Monte Cristo, em Campinas. “Na escola, eu adorava fazer poemas. Acho que foi aí que eu comecei com as rimas”. Atualmente, Cadu participa e já foi até organizador das batalhas de rimas que acontecem todos os domingos, às 19h, e às terças-feiras, no mesmo horário, no Complexo OMG (Oziel, Monte Cristo e Gleba B).
Antes de entender a influência deste movimento no bairro, Cadu explica as origens dessa veia artística. Além de apaixonado por música e versos compostos por rimas, o jovem de 28 anos também é barbeiro e lutador. “Olha, eu comecei isso tudo por uma ONG. Foi pela Amic, quando era criança, e lá tinha muito incentivo à cultura, tinha aulas de circo, além de música e dança”. Ele também já teve passagens pelo Instituto Paulo Freire, lugar que o inspirou e marcou até os dias atuais.
“Eu não sou nem de perto um dos melhores da batalha, mas já consegui ganhar algumas”. Neste ano, ele já conquistou quatro edições. Atualmente, participam da organização das competições os artistas “Je Tayslan”, “Revolução RB”, “Gomes”, “Negojo” e “Rwuoficial”.
“Eu descobri que as batalhas estavam acontecendo no bairro e foi aí que eu decidi fazer parte”. Cadu explica que, no Complexo OMG, o movimento é coisa séria e é uma ótima oportunidade de inúmeros jovens participarem da expressão. “Atualmente, são 16 MC’s que participam das batalhas por noite. E tem tem rankings. Também acontecem votações para preencher as vagas”. Ele explica que as vagas são preenchidas por sorteio. Já as batalhas são decididas pelo voto da plateia ou, em alguns casos, por jurados.
Em Campinas, além da Batalha OMG, há também outras competições, como a Batalha do Cálice (organizado por “Azec”, “Ikke” e “Kriollo”), a Batalha da Estação (organizado por “Punka”, “Marcela” e “Formiga”) e a Batalha da Home (organizado por “Fer Bringel”, “BLK”, “Anny” e “Kaah”), no qual o próprio Cadu já participou da organização também. Além da metrópole, o movimento está presente em outras cidades da região, como Sumaré e Hortolândia.
“Está em todo lugar e você pode usar o que você tem, mas é claro também há regras”.
De rima em rima, o movimento ganha dimensão. Seja nas ruas do Complexo OMG, seja debaixo dos tetos da Estação Cultura, jovens conquistam um espaço de expressão. “Olha, uma rima bem feita que viraliza, pode mudar a vida de uma pessoa”, diz. “E, sabe, temos muitas crianças em volta, e, cara, isso pode mudar vidas”, afirma.
Vozes da Nossa Gente
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