Um grupo de ex-presos políticos pode conferir na última semana os resultados preliminares das escavações arqueológicas que foram feitas no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna). O trabalho de buscas nos porões da ditadura foi realizado entre os dias 2 e 14 de agosto de 2023 e contou com pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), além da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Os objetos foram analisados na universidade de Campinas e ficaram armazenados no LAP (Laboratório de Arqueologia Pública da Unicamp “Paulo Duarte”). A escavação resultou na coleta de mais de 800 fragmentos, que compreendem cerca de 350 objetos identificados, sendo a maior parte deles fragmentos de vidros, azulejos, louças e cerâmicas.
Visita às escavações
O grupo de ex-presos políticos participou de uma visita ao laboratório, onde pôde acompanhar explicações de como o trabalho foi realizado e conferir itens recolhidos das escavações, os quais, agora, passam por uma série de análises que auxiliam na reconstituição do que ocorreu no local.
Os pesquisadores explicam que vários fragmentos podem compor um objeto, como os pedaços de uma antiga louça, o que explica a diferença entre o número de fragmentos e de objetos. A varredura também recolheu objetos considerados especiais, como um antigo tinteiro, um pente, um pedaço de sola de sapato e uma lata de cerveja.
Entre eles, o que mais chama a atenção é um par de meias-calças, encontrado no antigo refeitório do local. “Cada um dos objetos conta uma história”, destaca Andrés Zarankin, arqueólogo da UFMG. A expectativa é que os itens componham o acervo de um futuro memorial, que seria instalado no antigo DOI-Codi.
Durante a visita, o grupo também conheceu as técnicas que foram empregadas na análise dos objetos e pôde entender como os relatos de quem passou pelo local auxiliam na reconstituição do passado. Eles também questionaram se já houve a identificação de marcas dos objetos de tortura instalados no DOI-Codi, como o pau-de-arara, e se é possível confirmar se vestígios presentes na meia-calça são de sangue ou de outro material.
Os arqueólogos explicaram que ainda buscam alguns detalhes, enquanto outros são dificultados pelas limitações dos métodos de análise. “No antigo Dops de Minas Gerais, as análises mostraram de forma clara onde ficava o pau-de-arara”, aponta Cláudia Plens, da Unifesp.
Já em relação ao possível sangue, o estudo é inconclusivo. Segundo a pesquisadora, não existem metodologias no mundo para um vestígio de sangue que seria tão antigo.
Ex-presos políticos
Um dos integrantes do grupo de ex-presos políticos é Aton Filho, de 76 anos, preso no Rio de Janeiro em dezembro de 1969 e transferido para o DOI-Codi em seguida. “Gostaria muito que se encontrasse vestígios nas celas, que descobrissem inscrições ou anotações feitas no período”, conta.
Ele também relatou que foi vítima da repressão do período da ditadura ao longo de 10 anos e que vê a possibilidade de que o passado do local seja esclarecido com certo ceticismo. “Sou bastante cético, talvez até por desconhecimento. No entanto, só temos a chance de descobrir coisas novas se o trabalho for realizado”, comentou.
Para Lucila Labaki, de 80 anos, o encontro com os vestígios é algo “muito pesado”. A aposentada não chegou a ser presa no período, já que partiu antes para o exílio. Após a decretação do Ato Institucional Nº 5, em dezembro de 1968, ela foi para a Bulgária, onde morou por 10 anos, retornando ao Brasil com a Lei da Anistia, em 1979.
No entanto, seu irmão, Michel Labaki, foi preso e torturado no local. “Lembro que, na época em que meu irmão foi preso, fiquei sabendo por cartas escritas por minha mãe que ele tinha sido torturado. Ela relatava o quanto meu pai chorava e dizia: ‘Eu nunca bati em meu filho! Como eles fazem isso?'”, conta Labaki.
“Este momento é muito importante, pois nosso olhar sobre os artefatos é o de pesquisadores. Quando trazemos para cá pessoas que, infelizmente, têm suas memórias atreladas ao DOI-Codi, que vivenciaram essa rotina, conseguimos informações que não teríamos se apenas fizéssemos uma interpretação dos objetos”, explica Aline Carvalho, pesquisadora do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp) e coordenadora do LAP.
Grupo de Trabalho Memoria DOI-Codi
Além da Unicamp, integram o Grupo de Trabalho Memorial DOI-Codi a Unifesp, UFMG, o MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) e a UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico) do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo).
Antes da visita ao LAP, o grupo de ex-presos políticos acompanhou uma apresentação do Grupo de Trabalho Memorial DOI-Codi e de representantes das instituições envolvidas no projeto. Durante a abertura, os promotores do MPSP destacaram a importância da pesquisa para a ação judicial, movida pelo órgão, para que o espaço seja convertido em memorial.
O DOI-Codi era um órgão ligado ao Exército, onde ocorreram torturas e mortes de opositores da ditadura militar (1964-1985). Apesar de tombado pelo Patrimônio Histórico, as antigas instalações ainda são de posse da Secretaria de Segurança Pública do Estado.
Um dos promotores de Justiça do MPSP, Eduardo Valério, ressaltou que a iniciativa das universidades contribui para a defesa dos Direitos Humanos e para o exercício da cidadania. “Temos que falar sobre isso, ensinar e sensibilizar as futuras gerações de que, naquele espaço, há um conteúdo histórico e emocional, um lugar de memória”.
Para Silvia Santiago, diretora-executiva de Direitos Humanos da Unicamp, o trabalho de investigação no antigo DOI-Codi é corajoso e necessário para que o país discuta o passado e possa seguir adiante refletindo a respeito do quanto a violência ainda se reproduz, principalmente em comunidades periféricas. “É uma coragem que nos entusiasma e nos dá forças para olharmos o presente e desenharmos um futuro melhor”, exaltou.
*Com informações do Jornal da Unicamp
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