A tecnologia na política: digitalizar para governar?
Uma das inovações que aproximam o Estado da sociedade é a existência recente do governo eletrônico

"Um dos termos mais utilizados atualmente na Administração Pública brasileira é accountability. Apesar do uso importado do termo, ele é fundamental para compreendermos relações maiores, estabelecidas na governança local e global, pois significa, grosso modo, prestação de contas e responsabilização pública de atos políticos praticados. Além disso, por portar tais prerrogativas, o termo está em articulação com a democracia, ao permitir que os cidadãos acessem informações que são de seu interesse, ao envolver, podendo fiscalizar atos da administração pública, bem como acompanhar o andamento de projetos em execução.
Isso posto, convém destacar que uma das inovações que aproximam o Estado da sociedade é a existência recente do governo eletrônico, o qual prioriza a utilização de plataformas digitais de tecnologia da informação e comunicação (TIC), com o intuito de oferecer uma gama de informações sobre o andamento de projetos, bem como aumentar a participação social, facilitando a formulação de políticas públicas. As primeiras experiências de Governo Eletrônico surgiram nos anos 90, como uma maneira de aproximar a TIC da Administração Pública, facilitando a troca de informações com a população. Formalmente o projeto foi consolidado no ano 2000, quando foi instituído um grupo de trabalho interministerial, visando estruturar o projeto e oferecendo as diretrizes para a sua execução (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2019)." Luciléia Colombo, professora adjunta do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas.
"Para os governos do século XXI, o uso de tecnologias da informação não é mais uma opção, mas sim um imperativo. De fato, em meio aos volumes populacional e informação, são ferramentas que podem servir para agilizar a execução de serviços, facilitar a comunicação com a cidadão e prover informações relevantes para a accountability.
Não obstante, um erro comum ao se vincular tecnologia e política é considerar meios e fins como peças mecânicas em um jogo cujo resultado se pressupõe positivo. Em tese, a utilização de instrumentos técnicos se daria pelo ganho em eficiência, e ponto final. Porém, Nogueira (2001), Cathy ONeil (2016) e Winner (2017) destacam como as duas esferas são, em realidade, indissociáveis, ainda que a técnica seja vista como apolítica, isenta e legítima.
Sob a justificativa da eficiência na Administração Pública, em outubro, o governo federal anunciou o Cadastro Base do Cidadão, que promete integrar dados pessoais, inclusive biométricos, sem a devida preocupação com fatores como segurança e privacidade. Ainda no começo deste mês, a Câmara dos Deputados quase votou o PL do Governo Digital (3443/2019) sem debate prévio, como alertado pela Coalizão Direitos na Rede (CDR).
O que tudo isso indica? Por um lado, que uma postura na qual tecnologia não exija explicações não pode orientar a discussão sobre governos digitais e eletrônicos. Por outro, que ainda falta compreensão social e política não só para levantar tais questionamentos, mas para que a população possa, efetivamente, usufruir dos seus benefícios." Laura Pereira, pesquisadora.
Referências
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Em defesa da política. São Paulo: Senac, 2001.
O'NEIL, Cathy. Weapons of math destruction: How big data increases inequality and threatens democracy. Broadway Books, 2016.
WINNER, Langdon. Artefatos têm política?. Analytica. Revista de Filosofia, v. 21, n. 2, p. 195-218, 2017.
SOPRANA, Paula. Governo interliga bases e permite cruzamento de dados biométricos. Folha de São Paulo. 10 de outubro de 2019. Disponível em
COALIZÃO DIREITOS NA REDE. Projeto Do 'Governo Digital' pode ser votado às pressas. Disponível em < https://direitosnarede.org.br/2019/11/05/projeto-do-governo-digital-pode-ser-votado-as-pressas.html> Acesso: 17 nov. 2019.