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Lazer e culturaProjeto "O que te Assombra?"Conheça a história da mais conhecida "milagreira" do Cemitério da Saudade

Conheça a história da mais conhecida “milagreira” do Cemitério da Saudade

No Dia Internacional da Mulher, Thiago de Souza conta a história de Maria Jandira dos Santos, a “Rainha” do Cemitério da Saudade

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Maria Jandira dos Santos é a “Rainha” do Cemitério da Saudade de Campinas, dada a potência de seu nome, construída a partir de transformações e reações às opressões que sofreu ao longo da vida.

Até onde se sabe, Maria Jandira nasceu no dia 5 de maio de 1911 e era filha de uma família tradicional da cidade e foi expulsa de casa porque não se dobrou às regras retógradas que eram impostas às mulheres do início do século XX. Sendo assim, era o convento ou a rua.

O destino de Jandira foi a rua, mas não demorou para que a jovem conseguisse um teto. É bem verdade que esse teto viria junto com a tutela, regras e encargos impostos por Laudelina, a proprietária de um bordel na Rua Visconde do Rio Branco, no centro de Campinas.

Segundo o relato da própria Laudelina para uma matéria do extinto jornal “Diário da Noite”, Jandira era uma menina bonita, extrovertida, alegre e que possuía muitos admiradores. Foi um destes que lhe causou a ruina, depois das labaredas – às 19 horas do dia 24 de agosto de 1934.

Há pelo menos três versões para o caso.

O abandono de Maria Jandira

A primeira é a de que seu amante era, também, filho de uma família aristocrática de Campinas e, no curso de seus planos para fugirem e se casarem, o rapaz foi descoberto pelos familiares que ameaçaram deserdá-lo se levasse a frente o projeto com Maria Jandira.

No dia e na hora combinados para a fuga, o rapaz não apareceu na estação de trem, na qual sua pretensa noiva a aguardava com os bilhetes do trem e uma malinha com o vestido de noiva, que ela havia comprado com todas as suas reservas financeira, acumuladas atendendo os senhores de Campinas e região em seus mais perversos desejos.


Abandonada, ela retornou ao prostibulo, vestiu seu costume nupcial e ateou fogo em seu próprio corpo.

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A jovem ainda foi levada com vida ao hospital, mas não resistiu às queimaduras.

Outras duas versões, com o mesmo desfecho, diferem nas motivações.

O sonho

Uma delas diz que Jandira teve um sonho em que recebeu um comando espiritual de que seus pecados só seriam remidos com chamas. Ao despertar, acometida de uma crise existencial terrível, pôs fim a sua existência, da maneira que lhe foi recomendada em pesadelo.

O remorso

Outra versão é a de que a esposa de um de seus mais recorrentes casos, depois de receber a notícia de que o homem desejava abandonar o lar para viver com a amante, foi até o bordel de Laudelina – acompanhada dos filhos, suplicar à Maria Jandira para que deixasse seu marido e não destruísse sua família.

Depois da suplica da esposa traída, Maria Jandira foi tomada de um remorso estrondoso e tirou sua vida, seguindo o script das outras versões de sua morte, portanto, em chamas.

Rejeição pós-morte

Até onde se sabe, a família de Maria Jandira a rejeitou mesmo depois de sua morte. A foto que foi encontrada ao lado de seu corpo queimado ainda estampa a sepultura adquirida por suas colegas de profissão, que também arcaram com todas as despesas do funeral.

Passou o tempo, mas não passaram os preconceitos que Maria Jandira sofreu em vida. Seu jazigo passou a ser ponto de peregrinação, quase imediatamente depois de sua morte. Mas na mesma proporção que sua fama de milagreira ia ganhando notoriedade em Campinas e atraindo multidões ao Cemitério da Saudade, as camadas mais abastadas da sociedade não se conformavam com o processo devocional, que alçava a prostituta suicída em divindade da cidade.

Essa marca preconceituosa indelével pode ser vista em um artigo de um importante jornal, em 15 de abril de 1956:

“Em Campinas os milagres brotam sobre a sepultura de uma criatura que foi enterrada há mais de 20 anos. Morreu suicida, em estado de pecado perante a igreja, se não bastasse a vida pecaminosa que vivera.

Quem foi a santa que agora se revela em Campinas?

(…) Essa Maria Jandira, nome real ou simples de guerra, como é frequente no seu gênero de existência, era o que o eufemismo de povo designa como “mulher da vida”. (…) Era pensionista (outro eufemismo) de um alcouce Campineiro”

(Foto: Thiago Souza)
Proibição e Devoção

Sei que não vou surpreender ninguém com esse registro, mas, proibiram – pelo tempo que conseguiram – as peregrinações ao túmulo de Maria Jandira.

Mas era inevitável a devoção à mulher. Jandira era muito requisitada em pedidos ligados a problemas afetivos, mas suas graças são muito variadas. Muitos são os relatos de curas atribuídas à Jandira.

Um deles é de um funcionário do Cemitério, chamado Natale. O homem, conhecido como dois papos, tinha uma tumoração imensa abaixo do queixo e, depois de desenganado pelos médicos, pediu ajuda a Milagreira que, segundo o devoto, extirpou-lhe o mal. Jandira ainda se tornou uma pomba gira na Umbanda, recebendo a alcunha de “Rosa do Cemitério” ou “Rosa Caveira do Cemitério”.

Há ainda alguns relatos de materializações da alma de Maria Jandira na Necrópole, usando seu vestido de noiva. Nas ocasiões que foi vista, perguntou sobre seu malfadado amor e, não encontrando a resposta aguardada, desaparecia diante de seu jazigo, em uma imensa labareda.

Sem desmerecer as outras milagreiras, sempre lembradas por nós do “O que te Assombra?” com muito respeito e carinho, mas, Maria Jandira merece um momento só dela, pois leva em sua história todas as marcas dos estigmas e violências possíveis em uma mulher, em vida e na morte.

Ainda hoje, quando levamos nossas amigas e amigos a seu jazigo, algumas (poucas) pessoas perguntam se não nos sentimos mal em reverenciar uma prostituta suicida. Eu apenas aponto uma placa acima da foto de Jandira em seu túmulo, que expressa:

“Traga apenas Flores”

Para quem não se aprofunda na mensagem, pode pensar que ela indica os itens devocionais preferidos da milagreira, afastando “velas” e outros artifícios relacionados a fogo. Mas, para mim, tem muito mais a ver com a ideia de “Não traga seus julgamentos”. Porque, como bem disse o filho do Homem, “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”.

Viva Maria Jandira e que neste dia 8 de março, todas as mulheres que sofreram violências e que descansam nos cemitérios, sejam lembradas!

Quem é Thiago de Souza

Thiago de Souza é compositor, roteirista e humorista, fundador do grupo “Os Marcheiros” e idealizador do projeto “O que te Assombra?”. Ele também é o criador do programa de políticas públicas para preservação de patrimônio material e imaterial chamado “saudade e suas vozes” já implementado nas Cidades de Campinas e Piracicaba.

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Thiago Souza | Colunista
Thiago Souza | Colunista
Você tem medo de quê? Thiago de Souza que é compositor, escritor, roteirista, humorista, colunista do acidade on e idealizador do projeto “O que te Assombra?” conhecido por fazer passeios noturnos ‘assombrosos’ pela cidade. Nesse espaço vai trazer um pouco das histórias de 'fantasmas' da cidade. Imaginário popular, lendas urbanas ou folclore local? Confira as principais que permeiam o imaginário da população.
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