*Por: Marina Fávaro
Sol, poeira vermelha e esforço físico caracterizavam o dia a dia de trabalhadores rurais que encontraram na expansão do setor canavieiro uma oportunidade de renda nos anos 1980. Milhares de trabalhadores do interior do Brasil se deslocaram para regiões canavieiras, em especial, a região de Ribeirão Preto-SP. Com o tempo, essas regiões passaram a ser espaço fértil para o alto desemprego, a elevada inflação e as péssimas condições de vida, resultando no descontentamento dos trabalhadores rurais.
Em maio de 1984, a insatisfação resultou em um movimento popular: o Levante de Guariba, na cidade de mesmo nome. As principais reinvindicações eram a mudança no sistema de corte, os salários, as jornadas de trabalho e a segurança laboral. O professor da Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ (Unesp) José Giacomo Baccarin explica que o movimento foi motivado por uma mudança no sistema de colheita das fazendas. “A quantidade de ruas (que cada lavrador deveria colher) aumentou de cinco para sete, mas o salário permaneceu o mesmo. Ou seja, havia um maior esforço físico do trabalhador, sem que se aumentasse o pagamento por tonelada cortada”, afirmou.
O advogado Leandro Faria Costa pontua que a alteração na quantidade de ruas foi o estopim para o movimento. “Os trabalhadores teriam que laborar ainda mais, muito embora recebessem menor remuneração proporcionalmente, enquanto as usinas diminuiriam os seus custos de produção. Em função disso, o movimento contou com a adesão expressiva e orgânica de mais de 10 mil trabalhadores rurais que, bravamente, lutaram pelos seus direitos”.
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Segundo o professor Baccarin, “os trabalhadores destruíram o prédio da Sabesp em protesto contra às altas tarifas de água e esgoto. Saquearam o então único supermercado da cidade, acusado de altos preços e juros nas vendas a prazo. Não deixaram nenhum caminhão de turma deixar a cidade de Guariba para os trabalhos na zona rural, dando início à greve local”. Embora tenha começado em Guariba, o movimento se espalhou rapidamente por outras cidades canavieiras paulistas. “Foi assumido até mesmo pelos apanhadores de laranja, com forte expressão na cidade de Bebedouro”, contou o professor.
Mas, afinal, quais são as consequências do Levante de Guariba?
• O sistema de sete ruas foi proibido e, com isso, o sistema de cinco ruas foi retomado;
• O salário pago por tonelada de cana cortada aumentou;
• Tornou-se obrigatório o registro em carteira de trabalho e o fornecimento de recibo de pagamento mensal em envelopes contendo o valor do salário;
• O descanso semanal remunerado e o pagamento pelo dia de trabalho quando a chuva impedisse o trabalho também foram conquistados;
• A disponibilização de equipamentos de segurança e água aos trabalhadores;
• A partir de 1984, passou a acontecer uma rodada de negociação exclusiva entre canavieiros e patrões. Antes a negociação era geral, envolvendo todos os trabalhadores rurais do estado de São Paulo. Além da Fetaesp (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo), participava, agora, pelo lado dos patrões, a Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo).
Além disso, houve aumento da fiscalização sobre as condições de trabalho rural. Várias cidades do interior paulista, em convênio com o Governo do Estado de São Paulo, passaram a contar com a Casa do Trabalhador Rural. A exigência do transporte dos trabalhadores em ônibus e não caminhões virou lei estadual em São Paulo.
O advogado Leandro conclui que “o movimento deu maior legitimidade aos sindicatos rurais aos olhos da sociedade, uma vez que, tendo sido amplamente divulgado pela mídia, o Levante ajudou a sensibilizar a opinião pública sobre as condições de trabalho no campo e a necessidade de maior organização dos trabalhadores”.
*Com supervisão de Marcelo Ferri
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