O Senado Federal completa 200 anos nesta segunda-feira (25) e uma pesquisa traçou o perfil dos senadores. A “maior bancada” da Casa é a de homens e herdeiros políticos, aponta o estudo realizado pelo cientista político Robson Carvalho. Segundo o pesquisador, desde a redemocratização até a última eleição, quase 2/3 dos senadores eleitos vieram de famílias políticas. Além de que 90% de eleitos são homens.
Neste período foram disputados 407 mandatos e 274 deles (67%) foram ocupados por aqueles com vínculos familiares com políticos já eleitos. Ou seja, os senadores herdam o capital político da família e se elegem carregados pelo sobrenome.
“O que a gente tem na prática é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas para quem apoia aqueles grupos político-familiares e também tratam os gabinetes como se fossem a cozinha de suas casas”, destacou o pesquisador, doutorando da UnB (Universidade de Brasília).
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Apenas 44 vagas foram ocupadas por mulheres. Já as mulheres negras foram apenas quatro:
- Marina Silva (PT-AC) eleita duas vezes
- Benedita da Silva (PT-RJ)
- Eliziane Gama (PSD-MA)
- Fátima Cleide (PT/RO).
“São resultados indicativos da reprodução das desigualdades políticas e prejuízos ao recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero e raça; à edificação de uma democracia plural”, conclui o artigo do especialista, que foi apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho de 2023.
Para Robson Carvalho, a pesquisa mostra que o Senado é majoritariamente ocupado por famílias poderosas. “Parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é transmitido por hereditariedade e consanguinidade”. Segundo o analista, isso traz prejuízos à representação democrática do povo brasileiro.
“Grupos que lá também poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas, indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, dentre outros. Isto ocorre em detrimento do acesso, quase que exclusivo, de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias políticas”, afirma o artigo.
Segundo o cientista político Robson Carvalho, o fenômeno do familismo “está presente nos mais diversos partidos de todos o espectro político, da direita à esquerda”, mas nem por isso deve ser naturalizado.
Entre os políticos que estiveram no Senado entre 1986 e 2022 com ajuda da herança política estão:
- Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro
- Lobão Filho (MDB-MA), filho do ex-senador Edison Lobão
- Renan Filho (MDB-AL), filho do atual senador Renan Calheiros
- Ronaldo Caiado (União-GO), neto do ex-senador Antônio Totó Ramos Caiado na década de 1920
- Rogério Marinho (PL-RN), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho
Outros parlamentares que entraram Senado no período e são de famílias de políticos eleitos são:
- Flávio Dino (PSB-MA)
- Roberto Requião (MDB-PR)
- Flávio Arns (PSB-PR)
- Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)
- Romeu Tuma (PL-SP)
- Espiridião Amim (PP-SC)
- Jorginho Mello (PL-SC)
- Marcelo Crivella (Republicanos-RJ)
- Otto Alencar (PSD-BA)
- Davi Alcolumbre (União-AP)
Todas as regiões
A pesquisa destaca que a herança política é uma realidade de todos os estados e de todas as regiões do país. “Não é uma característica só do Nordeste, como muita gente acha, ligada ao coronelismo lá na região”, destacou o doutorando.
No estado de São Paulo, por exemplo, dos 15 mandatos disputados para o Senado entre 1986 até 2022, nove foram de pessoas identificadas como de famílias-políticas. Mesmo número do Rio de Janeiro, o que representa 60% do total de mandatos disputados na urna.
No Paraná, 13 dos 15 senadores eleitos no período são de famílias políticas. O Rio Grande do Sul tem o menor percentual de eleitos com ajuda do capital político da família. Apenas 4 dos 15 mandatos foram ocupados com a ajuda da herança política das famílias no estado gaúcho, o que representa 26% do total. Dois estados aparecem com 100% de eleitos com vínculos político-familiares: Paraíba e Piauí.
Robson Carvalho destacou ainda que o fato de nascer em famílias com grande capital político já constitui vantagem, “tendo em vista a herança simbólica, o acesso a diversos capitais, que vão sendo construídos desde a infância, no espaço em que o agente se encontra posicionado”.
Mulheres
Outro recorte da pesquisa é o de gênero, que mostra que o Senado foi, e ainda é, dominado por homens, que ocuparam 89% dos cargos disputados entre 1986 e 2022. Os estados do Amapá e Piauí, por exemplo, nunca elegeram uma senadora. Quem mais elegeu mulheres foram Mato Grosso do Sul (MS), com quatro mandatos: Marisa Serrano (PSDB), Simone Tebet (MDB), Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), sendo que apenas a última não possui vínculos político-familiares, de acordo com a pesquisa.
Os estados de Sergipe (SE) e do Rio Grande do Norte (RN) elegeram mulheres três vezes. No caso de Sergipe, foram três vezes a mesma mulher: Maria do Carmo Alves (DEM), marcada pela presença de capital político-familiar.
O Rio Grande do Norte elegeu três mulheres, duas com capital político-familiar, Rosalba Ciarlini (DEM) e Zenaide Maia (PROS) “respectivamente membro de longevas e entrelaçadas famílias políticas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do PT, professora, de origem popular e sem conexões com famílias políticas”.
“Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato, chegando a 13, seguido das regiões: Norte, com 12; Centro-Oeste, com 10; Sudeste com 5; e, por último, a região Sul, elegendo apenas quatro mulheres”, acrescenta o estudo.
Robson Carvalho conclui que essa realidade enfraquece a democracia brasileira. “Como é possível pensar em República sem representação de negros e mulheres que são a maioria da população, de índios que são os povos originários da nação e de cidadãos de origem popular que são a grande maioria dos brasileiros?”, questiona.
*Com informações de Agência Brasil
**Sob supervisão de Marcos Andrade
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