No Brasil, comemora-se o Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita em 12 de junho. De acordo com o Ministério da Saúde, pelo menos, 1% dos bebês que nascem no país tem alguma cardiopatia congênita. Isso significa cerca de 29 mil a 30 mil novos casos por ano.
A anomalia surge na gestação. “A criança nasce com o problema; vem da barriga da mãe e, ao longo da vida, vai lidar com a doença, no formato da complexidade do que é a doença na origem”, disse à Agência Brasil a coordenadora do Serviço de Cardiopatia Congênita no Adulto e Doenças da Aorta do INC, Maria Carolina Terra Cola,. A unidade é referência do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro no tratamento de crianças e adultos com cardiopatias congênitas.
A doença pode ser mais ou menos complexa, explicou a médica. Quanto mais simples, maior é a chance de a criança ter a doença tratada logo, ou seja, na primeira ou segunda infância, e ficar sem nenhuma sequela, tendo só o acompanhamento cardiológico normal, disse Maria Carolina.
Quando a cardiopatia congênita é mais complexa, ou muito complexa, a criança, adolescente ou adulto vão acabar tendo que lidar com o problema a vida toda e, muitas vezes, voltar ao hospital para internações e intervenções, que podem ser cirurgias ou cateterismo. “E vivenciar isso a vida inteira, com maior ou menor grau de limitação, em relação às coisas simples da vida, como se exercitar, engravidar”, acrescentou.
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Riscos
De acordo com a médica, os riscos específicos relacionados à cardiopatia congênita incluem infecção no coração (hemocardite) e necessidade de colocação de marca-passo. “A vida do paciente será de acordo com a complexidade da cardiopatia. Vai ser de acordo com as sequelas, os resíduos iniciais que a doença deixou na vida dele”. Muitas vezes, o jovem tem de colocar uma válvula no coração que, ao longo da vida, terá de ser trocada mais de uma vez, em períodos de dez anos.
As doenças mais simples podem até ser consideradas curadas na infância. O paciente vai ter acompanhamento médico, que pode ser feito pelo cardiologista. Já nas cardiopatias de média para alta complexidade, a gama de pacientes precisará ser assistida por um especialista. Isso sem contar questões da vida adulta, como trabalho, formação, estudo, possibilidade de engravidar, necessidade de esterilização devido ao risco alto de engravidar, risco de endocardite e necessidade de novas intervenções para pacientes mais complexos.
Maria Carolina informou que pessoas com cardiopatia congênita devem praticar atividade física, mas de acordo com suas possibilidades. “Tem aqueles para os quais será liberada só a caminhada e outros que podem até ser liberados para esporte competitivos.”
As sequelas podem ocorrer na função cardíaca, na função de válvulas cardíacas, e também sob a forma de arritmia, hipertensão arterial pulmonar. As alterações residuais que ficam no paciente é que vão determinar o que ele pode fazer, qual é a mulher que poderá engravidar sem nenhum problema. A vida do jovem ou adulto jovem cardiopata congênito será norteada pela complexidade da doença em relação a esses fatores.
Segundo a médica, essas questões vão poder ser customizadas de acordo com a gravidade e com o que o paciente apresenta em termos de lesões residuais, de problemas cardiológicos decorrentes da cardiopatia congênita. Ela ressaltou que mesmo mulheres que já trocaram a válvula do coração, mas que tenham cardiopatia congênita de média complexidade, poderão engravidar. Já as pacientes que acabam evoluindo para insuficiência cardíaca, hipertensão arterial pulmonar, arritmias, terão a contraindicação, porque a gravidez se torna risco para sua vida.
Algumas situações de risco para engravidar podem ser resolvidas operando, destacou a médica do INC. Outras alterações, contudo, não podem ser resolvidas com cirurgia. “Para essas pacientes, a gente desaconselha a gravidez”. As crianças do sexo feminino com cardiopatia muito complexa devem ser conscientizadas ao longo da adolescência, antes até da entrada na vida adulta, sobre o risco que vão correr se engravidarem.
Estatísticas
A cardiopatia congênita pode ser transmitida da mãe ou do pai para o filho. Por isso, é importante em famílias em que a cardiopatia se repete, que o paciente saiba que podem transmiti-la aos filhos. Não é incomum encontrar famílias com várias alterações.
O número de adultos cardiopatas congênitos tem crescido continuamente. Um estudo de 2018 estimou que existam 50 milhões de adultos portadores de cardiopatia congênita no mundo. O Brasil acompanha a tendência mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a incidência de cardiopatias congênitas varia entre 0,8% nos países com alta renda e 1,2% nos países com baixa renda o valor médio de 1% de incidência é aceito para o Brasil e demais países da América Latina.
Nas duas últimas décadas, a mortalidade por cardiopatia congênita em crianças caiu quase três vezes, graças a avanços nas técnicas cirúrgicas e hemodinâmicas e nos diagnósticos cada vez mais precoces e precisos feitos, muitas vezes, em fetos no útero das mães. “Isso deu uma sobrevida maior aos pacientes. Eu tenho pacientes operados na década de 1970.” No início, eles eram atendidos, não por especialistas, mas pelo pediatra, e viviam menos.
Maria Carolina destacou que muitos cardiopatas congênitos enfrentam dificuldades de engajamento na vida profissional e até de acesso ao ensino básico, ao terceiro grau. Muitos também não se consideram capazes. “Essa é uma de nossas preocupações. Muitos pacientes com baixa complexidade nos abordam querendo laudo para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e nós explicamos que eles estão bem. A cardiopatia está curada, porque foi operado na infância, e as sequelas não são graves. O paciente pode estudar e trabalhar.”
A médica defendeu a necessidade de promover o desenvolvimento pessoal e profissional desses doentes, porque é melhor ser um indivíduo produtivo, que colabora com a sociedade e consigo mesmo, na medida em que amplia sua autoestima e a realização pessoal. Nos casos de mais alta complexidade, quando o paciente não tem condição de trabalhar, são necessários laudos para benefício do INSS, porque ele tem limitação natural.
Fora da curva
A médica Maria Carolina aponta o caso de Cintia Maia como “um ponto fora da curva”. Diagnosticada com a doença com um mês e 15 dias, Cintia Maria teve o primeiro atendimento ocorreu no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez a primeira cirurgia Hospital Quarto Centenário e continuou o tratamento no hospital da UFRJ.
Quando engravidou e teve problemas, Cintia foi encaminhada para o Instituto Nacional de Cardiologia. O filho dela, que está com 11 anos, tratou a cardiopatia congênita logo no início e hoje não tem problemas. Depois da gravidez, Cintia ficou debilitada, com muitas limitações, mas operou a válvula cardíaca e voltou a ter vida normal. “Estudo, trabalho, faço tudo.”
Ela admite que sente alguma fadiga ou cansaço, mas nada que a impeça de realizar suas atividades. Cintia faz acompanhamento anual no Instituto Nacional de Cardiologia, para avaliar a necessidade de troca da válvula. Ela é professora e neuropsicopedagoga.
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