No livro “Mulheres, raça e classe”, publicado pela 1ª vez em 1981, a filósofa norte-americana Angela Davis defendeu um novo posicionamento frente a um problema que parecia não ter solução.
“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, afirmou a ativista.
Hoje, com o racismo ainda entranhado na sociedade brasileira, educadores da rede municipal de São Carlos tentam fazer com que essa perspectiva ganhe força através da Educação.
“A escola deve ampliar suas ações para a constituição de projetos que tenham a comunidade escolar e a comunidade como um todo como centro da desconstrução do racismo e a construção de uma sociedade que se pretenda antirracista”, indica o pedagogo José Claudio Salvador, também presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra (CMCN).
Ele explica que um currículo escolar identificado como antirracista deve contemplar a reflexão sobre o racismo, revendo conceitos sobre violência, preconceito, violação de direitos e a própria construção social, incluindo a revisão da história afro-brasileira e da história africana que promova a valorização da cultura negra – elementos esses previstos pela lei 10.639/03.
De acordo com norma federal, “torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo escolar da Educação Básica, nas escolas públicas e particulares, a fim valorizar as Diretrizes Curriculares Nacionais para as relações étnico-raciais, por meio do “estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”, em especial nas áreas de Educação Artística, Literatura e História.
“Uma educação que se pretende antirracista terá que construir espaços de reflexões sobre o racismo e o preconceito, valorizando a cultura africana e afro-brasileira, tendo como cerne a interdisciplinaridade como prática educativa; a transversalidade como estratégia didática; a interculturalidade como valorização de culturas diversas; e a interseccionalidade para compreender melhor as desigualdades e a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade. Devemos, como educadores, ampliar e estender o trabalho educacional a todos os conteúdos tradicionais. Contudo, até hoje, após quase 20 anos da Lei 10.639/03, ainda estamos discutindo como implementar, na prática, no currículo oficial, de forma a valorizar e a praticar ações educacionais que valorizem a cultura negra brasileira, a ancestralidade e o negro na formação na sociedade nacional, acolhendo os alunos dos segmentos negros, brancos e indígenas no combate ao preconceito e ao racismo”, avalia Salvador, que também é membro do Núcleo Municipal de Promoção de Igualdade Racial em São Carlos (NUMPIR).
Além dos muros da escola
A partir da compreensão da educação e da Lei 10.639 como instrumentos essenciais para proporcionar conhecimento e análise crítica a respeito do racismo, a professora Gabriela Maria Fornaciari, especialista em Educação Infantil e em Educação de Jovens e Adultos (EJA), aponta que os aprendizados em sala de aula devem ser estendidos e compreendidos também fora da escola, já que o antirracismo é uma causa de todos.
“Atuar pela promoção da igualdade racial é realizar ações no cotidiano que colaboram para a promoção de uma sociedade, atual e futura, mais igualitária e equitativa. Essas práticas podem parecer simples, mas farão muita diferença se praticadas por todos. Seja no ambiente de trabalho, na escola, entre amigos ou família: não basta não ser racista, é preciso ser antirracista em todos os ambientes e relações”.
Como exemplo de tais práticas, ela cita a leitura e a valorização de autores negros, que trazem experiências a partir de diferentes pontos de vista, permitindo uma análise mais crítica dos conteúdos consumidos. “É um exercício que devemos praticar, tanto pela perspectiva da representatividade como pela reflexão sobre a forma pela qual os negros são retratados”.
Ao encontro dessa perspectiva, o presidente do CMCN de São Carlos garante que o efeito notável da Educação antirracista é o compromisso em enfrentar ativamente as mazelas que o racismo produz.
“Não ser racista é um comportamento sem ação, inerte diante de um problema que é de todos. Em nome da construção de uma sociedade antirracista, é fundamental o envolvimento e a participação que vai além do 13 de maio [Dia da Abolição da Escravatura/Dia Nacional de Combate ao Racismo] e do 20 de novembro [Dia da Consciência Negra]. As práticas antirracistas têm que ser contempladas durante o ano todo, inclusive pelo currículo escolar do ano letivo”, defende.